Autor: Eberth Vêncio

Felicidade ainda que tardia

Felicidade ainda que tardia

Susie estranhou a si mesma. Sentia uma alegria desgraçada — no sentido bom, hiperbólico — desde as primeiras horas da manhã. E olha que o dia estava terrivelmente propício para a prática da neurastenia: o céu cinzento, feioso, quase ninguém nas ruas e uma chuva torrencial que parecia querer penetrar nos ossos. Aos 25, em certa medida, Susie pensava e agia como se tivesse 65. Pelo andar da carruagem, sua alma acabaria sucumbindo mais cedo do que o corpo.

Dia 8 de janeiro de 2023: o seu ódio não será a minha herança Foto / Casuli

Dia 8 de janeiro de 2023: o seu ódio não será a minha herança

O principal acontecimento de 2023 tinha sido a vitória da democracia brasileira. Fazia um ano desde que “patriotas” movidos por sonhos medievais invadiram, depredaram, pilharam e até defecaram nos prédios dos três poderes em Brasília. Soube-se recentemente pela imprensa que, nos meandros dos conturbados devaneios coletivos, planejava-se a tomada do poder político central à força, além da detenção e do enforcamento em praça pública dum ministro da suprema corte. Coisas de Idade Média. De doidivanas. De parvoíce. De falta de caráter.

E o meu coração não se transformou numa Venezuela

E o meu coração não se transformou numa Venezuela

Nesse final de ano, a sensação é de alívio. O meu coração não se transformou numa Venezuela. O amor continua democrático: só não ama quem não quer. Além de saúde para suportar as agruras futuras, o que espero realmente para o ano que se inicia é um bocado mais de entendimento. Nada extraordinário, do tipo esperar que Vladimir Putin retire o seu time de campo e se desculpe por ter cometido um erro de avaliação ao invadir o território ucraniano.

Entrando em cana com o Papai Noel

Entrando em cana com o Papai Noel

Se eu contar vocês não vão acreditar. Justamente, por isso, eu vou contar. Conheci um sujeito que fazia bicos como Papai Noel. Pançudo, sorridente, bochechas rosadas e gentil feito o diabo. Há sete anos, ele enfrentava cerca de dois mil quilômetros de estrada, da sua cidade até aqui, para permanecer durante todo o mês de dezembro se revezando com outros dois indivíduos no papel do bom velhinho, num suntuoso shopping center da capital.

Última oportunidade do ano para se fazer merda

Última oportunidade do ano para se fazer merda

Anda! Me ama! Me alimenta! Me enlaça! A graça está mesmo no ingresso das línguas pelos vincos das palavras. Engraçado: apesar de tudo, sinto-me triste. Livros. Trago-te livros. Larvas. Escuto larvas que se movimentam na tessitura cadavérica da lavra de um poeta que fui. “La mer! La mer!”. A merda do francês que nunca aprendi antes de morrer na praia. Trago-te também a minha mais completa ignorância, o mórbido vapor do cigarro que torna o meu beijo ainda mais saburroso.