Autor: André J. Gomes

Deseja profundamente. Vontade rasa não realiza nada

Deseja profundamente. Vontade rasa não realiza nada

Tu sabes. Tu sabes tanto que até te cansas de saber. Reclamar é inútil. Quanto mais tu lamentas, mais tu te afundas. Contestar é atirar longe o tempo precioso que te resta. Deixa de senões. Abandona tuas queixas e vai em frente. Se tu queres muito, tu fazes mais. Querer pouco é nada senão uma afronta ao que desejas realizar. Quem quer mesmo, quer muito. Almeja em vontade profunda. O objeto de teus quereres há de se ofender de morte com desejos irrisórios e te dar as costas em partida.

Não há um só dia que não seja da mulher

Não há um só dia que não seja da mulher

Eu sou um sujeito do interior. Fui criança numa cidade em que, assim como no resto do mundo, havia muito mais mulheres do que homens. Só na minha casa eram cinco: minha bisavó, minha avó, duas tias e minha mãe. Cinco meninas para três meninos — meu pai, meu irmão mais moço e eu. Mas levando em conta que meu pai ficava o dia inteiro fora, no trabalho, e que meu irmão caçula chegou ao mundo quatro anos depois de mim, é justo dizer que passei um bom tempo da infância ocupando o posto de único homem da casa. Um só bicho confuso, surpreso, entre cinco criaturas perfeitas.

Porque o amor pertence à insuspeitada categoria das coisas imprevisíveis

Porque o amor pertence à insuspeitada categoria das coisas imprevisíveis

Um desvario. É disso que se trata. O amor é uma sandice. Um desvio do caminho de dor em que a vida mergulha de quando em vez. É isso, sim. No meio de tanta estupidez e medo e indiferença, vem alguém tomado de coragem, declara seu amor em voz alta e sai sorrindo um parque de diversões e seus carrosséis, rodas gigantes, montanhas russas. O amor é a maior ousadia da vida. É quando ela, abusada que só, ignora a morte à espreita, realiza, avança, provoca, acontece. Quem ama quer acordar mais cedo e viver até tarde. Amar é se dar conta de que estamos vivos.

Ninguém é feliz o tempo todo. Ainda bem

Ninguém é feliz o tempo todo. Ainda bem

Demora, mas vem. Depois do encontro, da festa, do êxtase, das delícias em fila, dos sentimentos em fartura, da esperança vigorosa, da promessa de felicidade, do amor em seus indícios, da saudade e seus inícios, depois de tudo isso ela vem. Uma fria e descabida tristeza sempre vem.

Deixemos de coisa. O que mata mesmo é abrir mão de viver

Deixemos de coisa. O que mata mesmo é abrir mão de viver

Sim. Eu tenho o coração tomado de amor. Sou dessa gente que vai com tudo, caminha na brasa, mergulha na lava, se joga no fogo louco do encontro. Da vida, quero nada senão viver assim. Em chamas. É daí que vem todo o resto. Comigo, essa história de pé atrás não funciona, não. O amor chega e entra com os dois pés e o que mais há em volta. Invade a casa com dez trilhões de células e meia dúzia de lembranças para dividir feito pão e vinho. Contenção no amor é desperdício, sonolência, anticlímax, chateação. Quem sente amor tem a pele fustigada por um raio, voa baixo, treme de susto.