Só quem tem gatos entende esse amor louco que nós temos por eles

Só quem tem gatos entende esse amor louco que nós temos por eles

O despertador natural me acorda às 6h: a gata, com fome, sobe no meu travesseiro, dá um miado rouco e curto perto do meu ouvido, salta pro chão e vai até a porta do quarto. Se não acordo (quando estou cansada e finjo que continuo dormindo), ela sobe na cama novamente, retorna ao travesseiro, repete o miado (agora mais insistente), pula da cama e volta até a porta; e refaz esse circuito quantas vezes forem necessárias até eu me levantar. Às vezes, a gata me acorda encostando o seu focinho molhado no meu rosto (o que, nas primeiras vezes, me dava um susto danado!).

Chego sonolenta na cozinha e a gata já está me esperando ao lado da sua vasilha de ração. Agitada, ela rola sobre o meu pé e solta miados arrastados e longos, como um pedido obstinado: “ei, abre logo esse armário e pega a minha comida!”.

A minha outra gata, que quase não mia, tem outras manias: trazer objetos (chinelo, meia e brinquedinhos) para a minha cama — por sorte, moro em apartamento e nunca ganhei de presente um animal morto. Ela dorme colada ao meu pé. Para evitar que acidentalmente eu a chute enquanto estou dormindo, tentei fazê-la dormir na poltrona que coloquei no quarto somente com esse objetivo, mas não adiantou. O lance dela é fazer o dorso do meu pé de travesseiro.

Perto do prédio onde moro, há uma casinha de madeira que abriga uma família de gatos. Todos os dias, as tigelas espalhadas pelo chão são reabastecidas pelas pessoas que se revezam para cuidar dos animais. Uma vez, conversei com uma das mulheres que estava colocando água e ração nas tigelas e ela me contou que há 15 anos cuida de alguns gatos de rua, fora os bichanos que ela resgatou e levou pra casa dela. Seus olhos brilharam quando perguntei por que fazia isso e ela me respondeu que “os gatos são anjos na Terra”, e me contou sobre como sua vida mudou para melhor depois que começou a conviver com os bichanos.

Acho que esses animais nos conquistam pelo companheirismo e sinceridade deles. No livro “Sobre Gatos”, uma coletânea de poemas e textos sobre os felinos de Charles Bukowski, o escritor conta cenas do cotidiano com seus animais de estimação e sua esposa. Destaco algumas frases de que gostei: “ele pula em cima do sofá e atravessa pórticos da minha admiração”; “um gato cagou nos meus arquivos”; “então alimentei o gato, bebi mais 18 latas de cerveja e escrevi isso”; “o gato vesgo sem rabo apareceu na porta um dia e nós o deixamos entrar” e “nossos gatos são os nossos filhos”.

No início, Bukowski e sua mulher adotaram dois gatinhos. Com o decorrer do tempo, mais bichanos foram chegando e, como o casal não tinha coragem de mandá-los embora, a família foi crescendo. O Velho Safado rendeu-se à doçura dos gatos, a quem considerava sábios e sobreviventes, como ele próprio.

Parece que dentro do olhar felino encontramos luz, mistério e serenidade para os nossos problemas, e o ronronar dos gatos é melodia e conforto pro nosso cansaço. Facilmente nos apaixonamos pelo veludo macio de pelos que acariciam a nossa pele e pelas almofadinhas das patas que caminham levemente sobre nós. Mas os mimos e carinhos começam e terminam quando o gato quiser, e nós aprendemos a conviver bem com isso.

Assim como Bukowski aprendeu com os seus nove gatos (ele os chamava de “meus mestres”), a cada dia descubro que a vida é curta demais para ser levada tão a sério e com tantas preocupações: “Quando estou me sentindo pra baixo, tudo que preciso fazer é observar meus gatos e a minha coragem retorna”.

Hoje nem ligo mais quando encontro o sofá arranhado ou a cortina de tecido detonada; dou risada quando as gatas destroem minhas Havaianas e quando elas brincam de pega-pega no momento em que me deito para dormir; acho graça quando tenho companhia no banheiro (já desisti de fechar a porta, pois elas miam até eu abrir) e me acostumei a sair de casa com pelos na roupa.

Enfim, descobri que não sou eu quem tem minhas gatas, mas são elas que têm a mim — e sou loucamente feliz por isso!