Uma saga de pobreza e infelicidade

Uma saga de pobreza e infelicidade

Nos éramos muito pobres. Papai teve que vender três de nós para experiências genéticas. Meus irmãos se deram bem e foram viver em algum laboratório chique. Infelizmente, ninguém quis me comprar, mas os vizinhos da casa ao lado aceitaram me alugar por um tempo. O cachorro deles tinha morrido.

Eu passava as noites latindo no quintal para afastar ladrões. Aqueles foram dias felizes. Os vizinhos também eram muito pobres e, por isso, os ladrões iam roubar outros vizinhos. De vez em quando, eu tomava um osso dos vira-latas da rua e levava para mamãe fazer sopa.

Uma noite, papai chegou em casa, depois de mais um dia de trabalho na pedreira. A pedreira era muito pobre e não tinha dinheiro para comprar carrinhos de mão, por isso contratara meu pai para carregar as pedras. Mesmo depois de muitos anos, ele só conseguia andar com as mãos no chão e com alguém segurando os pés dele. Uma noite, eu dizia, papai chegou em casa e falou que a pedreira tinha fechado. Ninguém mais tinha dinheiro para comprar pedras.

Nossa cidade era muito pobre e, por isso, uma pedra era o único objeto de valor que conseguíamos ter. As pessoas exibiam felizes seus pedregulhos. Os mais sortudos carregavam paralelepípedos pendurados no pescoço. Além de pobres, muitos de nós éramos corcundas.

Mas papai, eu dizia, não mais trabalhava na pedreira. Não podíamos mais pagar o aluguel do barraco e fomos morar num banco de praça. Na parte de baixo do banco. A parte de cima já estava alugada para outra família. O dono do banco, que também era muito pobre, morava em cima de uma árvore e vivia às turras com dois esquilos que tinham chegado ali primeiro.

Mesmo naquela penúria, eu trazia um sonho no coração. O sonho é a única coisa que o pobre pode possuir sem ter que comprar. Eu queria ter dois sonhos, mas éramos muito pobres e, por isso, eu só podia ter um sonho.