Últimos dias para assistir na Netflix ao filme digno de Oscar que tocará cada pedaço do seu coração Jake Giles Netter / Studiocanal

Últimos dias para assistir na Netflix ao filme digno de Oscar que tocará cada pedaço do seu coração

Existem pessoas que passam a vida sentindo as dores do crescimento, fenômeno que, por curioso que pareça, tem mesmo um fundo científico, mas que deveria restringir-se à fisiologia, e só até a cessação da puberdade. No caso da personagem central de “O Castelo de Vidro”, a sucessão de traumas regados a megalomania, negligência, despreparo, desprezo de pais que não poderiam ter filhos nunca ficam para muito além da infância, traduzida em marcas que vertem da alma para a carne, fazendo da existência de quem delas padece um obstáculo quase inexequível.

Destin Daniel Cretton toma o romance homônimo de Jeannette Walls a fim de abordar as eternas contradições que definem o relacionamento entre pais e filhos, esticando a corda o quanto consegue no propósito de escancarar a falsa harmonia e toda a loucura que pode esconder-se sob o manto da união numa família aparentemente normal.

O roteiro, do diretor e Andrew Lanham, apresenta Jeannette, uma elegante colunista social de Nova York, jantando com o noivo, David, de Max Greenfield, e um casal de amigos num restaurante fino, no inverno de 1989. O que se conversa de realmente proveitoso sob o ponto de vista narrativo só se revela na conclusão, quando Cretton volta à cena e esclarece muito do tormento que infesta a jornada de sua anti-heroína; enquanto essa hora não chega, o diretor aproveita a despretensão desse primeiro contato do público com Jeannette para já deslindar os aspectos escandalosamente controversos e malditos de sua história. Deixando o restaurante, ela vê o pai revirando lixo, mas não sai do táxi para socorrê-lo; o que parece egoísmo, vergonha, indignação ou raiva é apenas a imagem que sintetiza melhor seu passado.

Aos poucos, com o auxílio dos flashbacks que permeiam todo o filme, Cretton vai aclarando o que não precisa de tanta explicação assim. Rex, a figura torta encarnada por Woody Harrelson, gasta boa parte da vida desenvolvendo a tal fortaleza hialina que o título menciona, uma estrutura capaz de permutar o calor do sol em energia sem o auxílio de nenhuma instalação adicional — e entre um e outro cálculo, um delírio e outro, consome porções de uísque que poderiam irrigar toda a Escócia. Isso talvez não fosse problema se o lado insano dos Walls dispusesse de um contrapeso que segurasse a família no chão da vida como ela é, mas Rose Mary, a mãe de Jeannette, também não tem condições de responder por si e muito menos por quatro crianças.

A pintora elaborada por Naomi Watts, perdida em elucubrações artísticas enquanto busca inspiração entre tantas pinceladas, Tchaikovsky no último volume, rivaliza as atenções e disputa o centro do palco com Harrelson, sobretudo depois do incidente que colhe a primogênita no desdobro dessa cena, ao mesmo tempo que Brie Larson (quem sabe até melhor que em “O Quarto de Jack” [2015], de Lenny Abrahamson, pelo qual levou o Oscar de Melhor Atriz) é assustadoramente persuasiva em misturar todos os elementos com que toma contato a fim de tapear o espectador sobre a identidade do real vilão do longa.

O final, decepcionante em sua solução deus ex machina, alude a “bons momentos”, dando a sensação de que estava-se a assistir a uma comédia romântica em que todo o conflito se encerrava na dúvida da mocinha em contrair núpcias ou comprar um animal de estimação. Ainda assim, “O Castelo de Vidro” salva-se por suas ótimas performances, apesar de embotadas por uma urgência de happy end que, definitivamente, não cabe.


Filme: O Castelo de Vidro
Direção: Destin Daniel Cretton
Ano: 2017
Gênero: Drama
Nota: 8/10