Recordista de bilheteria, filme com Brad Pitt na Netflix vai te fazer roer as unhas por 116 minutos Jaap Buitendijk / Paramount Pictures

Recordista de bilheteria, filme com Brad Pitt na Netflix vai te fazer roer as unhas por 116 minutos

Uma moléstia desconhecida se alastra pela Terra e infecta a todos com uma velocidade assustadora, sem oferecer chance de defesa, transformando seres humanos em zumbis. É aí que, como sempre, entra em cena o governo dos Estados Unidos e convoca um ex-agente da ONU, hoje um tranquilo pai de família, para combater a praga e assegurar a continuidade do homem. Inspirado no livro homônimo de Max Brooks, “Guerra Mundial Z” segue a máxima de deixar tudo o mais intrincado em vez de explicar. Mark Forster junta no texto de quatro roteiristas — entre os quais Matthew Michael Carnahan, diretor do ótimo “Mosul” (2019), rico apontamento com caudalosas impressões sobre a atuação das forças de segurança americanas na Guerra do Iraque (2003-2011) — a urgência pela preservação da natureza; teorias conspiratórias de fundo religioso; tráfico de órgãos na Alemanha (!); e irresponsabilidade de companhias aéreas, que não interromperam suas atividades e contribuíram para que o contágio de um vírus particularmente letal, cepa híbrida de meningite com varíola e H1N1, se disseminasse ainda mais velozmente. Como se vai ver, Forster elabora um filme nada pretensioso, até nonsense em vários momentos, em que a vontade de entreter atropela o respaldo científico para a narrativa encadeada por Brooks — que nunca precisou dele, que se note.

Aos poucos fica claro que a infestação a que alude o enredo é uma metáfora ora sutil, ora desabrida para se tratar dos assuntos que Forster julga sumamente importantes para a vida na Terra. Com um orçamento de duzentos milhões de dólares, o diretor pôde rechear o longo prólogo com belas imagens do sol nascendo por cima do mar, abelhas trabalhando em perfeita harmonia numa colmeia, uma revoada de pássaros a cortar o horizonte, em contraposição à rotina frenética de nova-iorquinos sempre apressados, ricos ou pobres, tratando de cuidar da vida e fazer dinheiro. A maré começa a virar quando a âncora do noticiário local conta sobre um novo grupo de cetáceos que encalha numa praia da Costa Oeste; como tudo em “Guerra Mundial Z” resta sempre velado, essa é a senha para que o público fique de sobreaviso e espere pela tragédia, que vem mesmo, mas só depois que a câmera faz um passeio minucioso pela casa dos Lane, ciceroneado por Gerry. Brad Pitt divide-se entre o cidadão pacato que, por alguma razão também obducta, abandona uma carreira nas Nações Unidas e se resigna em apenas cuidar da prole e de esposa, Karin, de Mireille Enos, e, forçado pelas circunstâncias, volta ao front, agora para se bater com inimigos muito mais hostis do que jamais pensara, depois que um policial guiando uma moto arranca-lhe o retrovisor do carro na Quinta Avenida. Daí para a investida de criaturas monstruosas no Lower East Side ou transpondo barricadas uns por cima dos outros em Israel, feito uma correição de baratas, é, literalmente, um pulo.

Há quem diga que “Guerra Mundial Z” tenha sido a crítica mais oblíqua feita por Hollywood ao governo de George Walker Bush (2001–2009), mas de minha parte, acho que já existiam e continuam a existir perigos infinitamente maiores que políticos inexpressivos, seja na América ou sabe Deus onde — e a pandemia de covid-19, entre março de 2020 e maio de 2023 não me deixa no sereno. Bem ou mal, como disse Churchill, dispomos de um remédio razoavelmente eficaz contra demagogos e esbulhadores do que deve servir ao maior número de contribuintes. Já para mutantes que ninguém sequer enxerga…


Filme: Guerra Mundial Z
Direção: Marc Forster
Ano: 2013
Gêneros: Terror/Ação
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.