Prepare-se para o inesperado: história de amor de Jennifer Lawrence na Netflix vai te prender do início ao fim

Prepare-se para o inesperado: história de amor de Jennifer Lawrence na Netflix vai te prender do início ao fim

Sentimentos perdem-se na imensidão do universo que é todo homem e toda mulher, e quanto mais tentamos nos enquadrar aos padrões que não nos servem, mais longe ficamos de nossa problemática (e tão rica) condição de indivíduos. O cinema faz com que o espaço pareça muito menos solitário e sombrio do que de fato é — malgrado a Terra não se converta em nenhuma reformulação do Éden por isso. Morten Tyldum ajuda a perpetuar essas duas sensações em “Passageiros”, uma deambulação filosófica bastante livre de como poderia ser a vida em recantos impensados da Via Láctea ou em qualquer outra galáxia, uma saída aparentemente lógica para as misérias do homem num planeta já cansado de suas agressões. Tyldum dispõe de experiência na denúncia de animosidades de toda ordem entre homo sapiens sapiens, e faz do texto de Jon Spaihts uma ferramenta muito bem azeitada na intenção de incutir no público a urgência de refletir sobre cada palavra e todo gesto, sob pena de arcar com consequências pesadas demais.

Jim Preston hiberna na nave espacial Avalon quando uma tempestade de asteroides e cometas faz tudo chacoalhar. Spaihts nunca esclarece por que o personagem de Chris Pratt decidiu por um êxodo tão radical, deixando a Terra, até onde se sabe o único corpo celeste onde a vida é possível (ou a vida de criaturas pluricelulares capazes de desenvolver sistemas próprios de organização, que seja). É quase certo que não tenha sobrado nada por aqui, e então, os felizardos cinco mil terráqueos remanescentes despacham-se para Homestead 2, um planeta-colônia que encarna alguma promessa de continuidade. O impacto dessas gigantescas rochas voadoras contra a espaçonave provoca uma avaria no reator de fusão, o que por seu turno sobrecarrega o software que regula a medição do tempo ao longo da jornada. Os passageiros de Avalon deveriam permanecer anestesiados num sono de 120 anos, o que efetivamente acontece — menos com Jim. Transcorridas apenas três décadas, ele acorda, por evidente, desorientado, sem rumo, meio tonto, mas sabe que alguma coisa vai mal quando, por exemplo, a representação holográfica da bela instrutora materializada por Nazanin Boniadi dirige-se a ele no plural durante as orientações do Grupo de Aprendizado 38, talvez igualmente abalada pela colisão. Pratt confere a seu anti-herói a dose precisa da ternura possível, inspirando-lhe empatia e pena. Entretanto, tomado pelo desespero ao encarar a inescapável verdade de que terá de descobrir algum passatempo muito absorvente para suportar os noventa anos que faltam — se alguém vivesse por tanto tempo —, comete o maior desvario que alguém em seu estado tão sui generis poderia.

A Aurora Lane integra a narrativa como a antítese de tudo quanto Jim simboliza. A fúria por ter sido arrancada de sua latência compulsória por aquele homem bonito, mas estranho, cuja figura só pode mesmo provocar-lhe desconfiança, logo se transforma em magnanimidade, e daí para um amor nada crível. Essa necessidade do diretor de amarrar tudo num único feixe diminui consideravelmente o potencial dramático de “Passageiros”, sendo até trabalhoso achar pontos de contato entre este e “O Jogo da Imitação” (2014), quando Tyldum desbastou camada a camada a tormentosa personalidade de Alan Mathison Turing (1912-1954), o pai da computação moderna, e seu ocaso cruel por um motivo abominável. Nem o supino talento de Jennifer Lawrence é o bastante para segurar o filme, que se firma mesmo é na trilha sonora de Thomas Newman e na direção de arte da equipe chefiada por John Collins, não por acaso indicadas ao Oscar nas categorias relacionadas — e nessa última, é nítida a influência de “2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968)”, de um Kubrick no melhor estilo de sua loucura plena de método. Depois de um começo promissor, “Passageiros” enche os olhos. E só.


Filme: Passageiros
Direção: Morten Tyldum
Ano: 2016
Gênero: Ficção científica/Romance/Drama/Aventura
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.