Viver em sociedade acaba sendo um diuturno enfrentamento entre o bem e o mal, raciocínio perigosamente maniqueísta, eivado de reducionismo e preconceitos de toda ordem, que, não obstante, mira a conclusão, óbvia e lamentável, de que o segundo quase sempre triunfa sobre o primeiro. Talvez Dwayne “The Rock” Johnson seja na indústria cultural de nossos dias quem melhor transite de um lado para o outro — ajudado, por óbvio, pela aparência sui generis —, e em “Arranha-Céu: Coragem sem Limite” ele tem a oportunidade de justificar as esperanças que o público deposita nele, livrando-se de estigmas cruéis que grudam-lhe sobre os músculos sempre evidentes ao passo que mantém a aura de herói que encarna à perfeição, sacrificando-se de verdade em sequências que exigem-lhe o condicionamento de que ninguém duvida. Entre um e outro treino, digo, entre uma cena e outra, o diretor Rawson Marshall Thurber encarrega-se de incluir os dramas pessoais que servem, nessa ordem, de respiro e como oportunidade para que The Rock dê um golpe mortal no preconceito e exiba seus dotes artísticos, no que tem sido entre um boa aposta e uma grata surpresa, a exemplo do que ja se assistia, guardadas as devidas proporções, em “O Escorpião Rei” (2002), de Chuck Russell, um de seus primeiros trabalhos de fôlego na tela grande.
O roteiro de Thurber volta dez anos, e em Ash Laje, Minnesota, uma cabana num lugar deserto na noite de escuridão e gelo serve de palco a um crime misterioso e bárbaro: um policial é assassinado e o suspeito, sem antecedentes, tem a ex-mulher e os dois filhos sob seu poder. O diretor-roteirista consegue instigar a curiosidade do público quanto à figura de um tal Ray Hutchinson, um homem caucasiano, de 38 anos, 1m88 de altura, branco e de porte médio. A abertura, com os dois pés no noir, desvia os olhos do público do que interessa, desfaz com cautela a atmosfera de segredos de que o filme parece jactar-se, somente para, uma vez mais, começar um novo jogo. Âncoras de telejornal prestam-se a narrar da história do Pérola, um arranha-céu fictício de 255 andares e 3.500 pés de comprimento no centro de Hong Kong, maior que o Burj Khalifa, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e o triplo do Empire State, em Nova York. Tocar o céu é a grande aspiração da humanidade desde a Necrópole de Gizé, no Egito, ou a lendária Torre de Babel, na finada Babilônia, e Will Sawyer é um dos guardiães do novo templo da potência da engenharia, até que inimigos indetectáveis até para os moderníssimos sistemas de vigilância do prédio metem-se com sua família, hospedada no terraço do Pérola, ainda por ser inaugurado oficialmente. O embate com Kores Botha, interpretado por Roland Møller, o homem que ameaça sua mulher, Sarah, de Neve Campbell, e os filhos deles, acaba de uma vez por todas com a dúvida sobre a verdadeira índole de Sawyer, um homem de sorte e capaz de agarrar excelentes oportunidades. Precisamente como The Rock, insuperável na pele desses homens comuns, acossados por fantasmas às vezes mais persistentes que o fogo.
Filme: Arranha-Céu: Coragem sem Limite
Direção: Rawson Marshall Thurber
Ano: 2018
Gêneros: Ação/Suspense
Nota: 8/10