O menoscabo com a natureza, a ânsia por um progresso desmesurado, sem amor nem ordem, a negligência para com as eternas distorções do capitalismo, fabricando catástrofes e multiplicando injustiças, todos esses fatores, reunidos ou cada qual tomado em sua complexa dimensão, são excelente matéria-prima para os tantos enredos que, fustigando os costumes com humor, fazem o movimento inaugural para pequenas transformações sociais de que sempre carecemos. O protagonista de “O Cheiro do Ouro” luta para sentir o perfume da esperança num lugar cada vez mais tomado pela ambição desmedida, até que se cansa e vislumbra o caminho por onde pensa alcançar seu objetivo de vida, apesar de saber que pode acabar mal. O francês Jérémie Rozan cerca seu filme dos bons recursos técnicos que apenas refinam o argumento central, esperando que a história vença por seus próprios méritos, o que acontece no tempo certo. A narração de seus infortúnios, por ele mesmo, é só mais um dos detalhes de que Rozan se socorre a fim de reforçar a ideia de sonhos que adormecem, mas se mantêm pulsando, refrescados de quando em quando por bafejos de uma fragrância cara.
Nascemos todos livres e iguais em direitos, mas não contamos com nada além de nosso próprio empenho. As palavras do ator e diretor francês Jean Yanne (1933-2003) servem de norte a tudo quanto o texto de Rozan mostra no transcurso de pouco mais de hora e meia, boa parte desse tempo voltados para Daniel Sauveur, o anti-herói do ótimo Raphael Quenard. Uma conversa disparatada com um amigo, sobre a correspondência entre o rufar de tambores no início das canções de reggae e o som dos canhões destruindo a Babilônia e aniquilando seu povo, frisa uma pretensa aura de doutrinação anti-imperialista do roteiro, mas Rozan trata logo de desanuviar o ambiente, sem que precise calar a mensagem. Uma casa com vista para a catedral de Notre-Dame Chartres, no centro da França, foi o único sonho que a família de Daniel conseguiu realizar, mas até isso lhes foi tirado. Na mesma sequência, um caminhão instala um imenso outdoor que esconde os belos contornos da igreja e seus oito séculos de tradição e alardeia a hegemonia da Breuil e Filhos, uma distribuidora de perfumes que fecha negócio com butiques de todo o país e cujo sucesso no mundo corporativo deve-se ao talento de pisotear os menores com um sapato de salto bem fino. Rozan faz questão de não aprofundar-se em minudências teóricas da macroeconomia, apenas informando à vol d’oiseau um aumento de cem mil postos de trabalho com carteira assinada nos últimos meses. Se a taxa de empregos formais cresce, a empobrecimento da massa proletária teima em não baixar, e do caldeirão em que refervem arcaicíssimas mágoas, ressentimento, inveja e a falta de dinheiro, pura e simples — além da nítida impressão de estar sendo desabridamente explorado —, Daniel tira a força de que se nutre para ter sua vingança.
Talvez a grande deficiência do filme seja alongar-se demais nas cenas em que o plano que dá azo à narrativa é colocado em marcha, em detrimento da composição do esquema em si. Assim mesmo, tudo em “O Cheiro do Ouro” é muito bem pensado e bem executado, sem saídas óbvias que desembocam numa conclusão nada previsível.
Filme: O Cheiro do Ouro
Direção: Jérémie Rozan
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 8/10