Nelson Moraes mergulha os leitores em uma trama complexa, cheia de reviravoltas, mistérios e ponderações sobre o tempo, no seu novo livro Transistória. A narrativa intrigante de Moraes é um feito meritório — um oásis no panorama frequentemente desolado da literatura brasileira contemporânea. Com um estilo narrativo habilidoso, o autor nos guia por meio de diferentes períodos históricos, criando uma intricada teia de personagens e eventos que surpreendem.
A trama central de “Transistória” envolve a professora Helena Sattel e seu filho Tony, levando os leitores a uma investigação policial que revela descobertas além da imaginação. A Operação Pedra Filosofal, viagens no tempo e as implicações da tecnologia fotoelétrica são apenas alguns dos elementos fascinantes que compõem a narrativa. Moraes habilmente mescla elementos históricos com ficção científica, criando um cenário plausível e instigante. Sua pesquisa detalhada sobre períodos como o Egito Antigo, o reino de Gana e a Califórnia da Corrida do Ouro demonstra seu cuidado em construir um universo consistente e verossímil.
Além disso, Moraes utiliza a Física Quântica como base para o deslocamento espaço-temporal, adicionando uma camada de profundidade à trama. Explorando temas como o efeito borboleta e a alteração da realidade, ele consegue despertar reflexões sobre as ramificações do tempo.
A construção dos personagens em “Transistória” é outro aspecto notável da obra. O agente Douglas, especialista em infiltração e considerado excêntrico por seus colegas, protagoniza a investigação que desvenda os segredos por trás do repentino aporte de ouro no mercado brasileiro. Sua determinação em descobrir a verdade e sua curiosidade em relação ao pacote “Transistória” tornam-no um protagonista envolvente e cativante. Além disso, a figura enigmática de Tony Sattel, filho de Helena, desperta uma complexidade intrigante, deixando os leitores questionando suas verdadeiras intenções até o desfecho surpreendente.
A escrita precisa e fluente de Moraes conduz o leitor por cenários distintos e momentos históricos com habilidade. A alternância entre diálogos intensos na sala de interrogatório, momentos de ação nas viagens temporais e reflexões dos personagens sobre suas motivações e escolhas oferece uma rica variedade de ritmo e emoção à narrativa.
Embora “Transistória” apresente uma trama complexa e repleta de reviravoltas, Moraes evita exageros e confusões desnecessárias, mantendo o leitor preso ao livro. A progressão dos eventos é bem estruturada, revelando segredos e criando suspense de forma equilibrada, o que mantém a leitura envolvente do início ao fim.
A originalidade do livro reside na forma como o autor utiliza elementos da ficção científica e da história para criar uma narrativa que desafia as convenções e transporta o leitor para uma jornada única. A habilidade de Moraes em entrelaçar personagens, eventos e conceitos complexos evidencia o quão hábil é como narrador.
Obviamente, o livro não é isento de imperfeições. Alguns leitores podem sentir-se sobrecarregados com a quantidade de informações e saltos temporais apresentados ao longo da narrativa. Além disso, o desfecho da trama pode deixar alguns questionamentos em aberto, o que pode frustrar aqueles que buscam uma conclusão absoluta.
A mistura habilidosa de ficção científica, história e mistério guia o leitor por uma jornada temporal que desafia as noções de tempo e espaço. Embora não seja isenta de falhas, a engenhosidade presente na construção da trama, nos personagens cativantes e na habilidade narrativa do autor faz de “Transistória” uma obra notável.
Nelson Moraes é um escritor e publicitário brasileiro. Ele é autor de dois livros: “Os Macacos do Museu Britânico” (2014) e “A Gargalhada de Sócrates” (2019). Além de sua carreira na literatura e na publicidade, Moraes fez parte da primeira onda de blogueiros no Brasil. No final dos anos 1990, quando o fenômeno dos blogs começava a ganhar impulso, Moraes marcou presença com dois blogs de considerável prestígio: “Praia do Nelson” e “Ao Mirante, Nelson”. Estes já ressaltavam sua perspicácia literária e capacidade narrativa, consolidando-o como uma das vozes mais representativas e influentes daquele período.
Embora habilmente misturado com elementos de ficção científica, história e mistério, o elemento mais surpreendente de “Transistória” é, sem dúvida, o seu vívido humor. Esta comédia hábil conduz o leitor por uma jornada temporal que desafia as noções de tempo e espaço, destacando-se como um gênero dominante na obra. Embora não seja isenta de falhas, a engenhosidade presente na construção da trama, os personagens cativantes e a habilidade narrativa do autor são aprimoradas por uma comicidade incisiva e bem dosada, tornando “Transistória” uma obra notável também no gênero da comédia.
Nelson Moraes é um escritor e publicitário brasileiro. Ele é autor de dois livros: “Os Macacos do Museu Britânico” (2007) e “A Gargalhada de Sócrates” (2019). Além de sua carreira na literatura e na publicidade, Moraes fez parte da primeira onda de blogueiros no Brasil. No final dos anos 1990, quando o fenômeno dos blogs começava a ganhar impulso, Moraes marcou presença com dois blogs de considerável prestígio: “Praia do Nelson” e “Ao Mirante, Nelson”. Estes já ressaltavam sua perspicácia literária e capacidade narrativa, consolidando-o como uma das vozes mais representativas e influentes daquele período.
Leia um trecho de Transistória
Falta pouco, ela pensou, de olho na janela do laboratório. Foi quando lá fora pareceu passar um vulto que talvez fosse o sujeito alto de terno preto e óculos escuros, mas ela se esforçou em manter a calma: podia muito bem ser o zelador do campus, se bem que esse jamais usava roupa escura. Sacudiu de leve a cabeça e voltou a concentrar-se nas febris anotações no quadro negro, sem entretanto deixar de ponderar que quando você se vê em pleno governo Médici, imersa em paranoia por conta de um homem alto de terno preto e óculos escuros que há poucos dias encarou você demoradamente, sem dar margem a dúvidas, qualquer elemento que surja sem aviso — seja o tio criador de cabras lá de Catanduva ou um poste de luz da Paulista — vai se tornar um homem alto de terno preto e óculos escuros encarando você. Ei, as equações, pensou tentando preservar o foco: as equações!
Faltava pouco, e ela rabiscava freneticamente, quase triturando o giz, num movimento ritmado de mão e braço que sacudia todo o tronco e fazia seu rabo-de-cavalo dançar numa simetria quase newtoniana: prosseguir decompondo a equação de Dirac ainda tomaria alguns dias, mas ela sabia que quanto mais extensa a decomposição mais próxima ficava a equivalência entre a ponte Einstein-Rose — ah, esses dois velhos rabugentos — e o fator Podolsky — ah, esse russo maravilhoso, e que o DOPS não me ouça —, e com mais o encadeamento de umas duas centenas de derivadas o paradoxo EPR, sim!, ia deixar de ser uma conjectura estritamente mental para, finalmente, depois de tanto tempo, depois de tanta polêmica, tanta discussão, tornar-se uma —
— Professora Helena Sattel?
O giz pulou da mão dela, e os papéis com anotações trazidos junto ao peito decolaram num rodopio fazendo uma curiosa coreografia aérea de vai-e-vem até pousarem de leve no chão. Ela olhava para a porta, ofegante. O homem alto de terno preto e óculos escuros entrou e agora vinha na direção dela, mostrando ser de estatura de mediana para baixa, de blusão jeans aberto e camiseta branca, sem óculos, de barba rala e com a fisionomia entre surpresa e divertida.
— Fazendo um cálculo rápido com base na trajetória ascendente do giz — ele disse —, eu poderia dizer que ele subiu a uma velocidade de quatro metros por segundo. Isso se não tivesse batido no teto antes, claro.
— E você… quem é? — Ela falou, recuperando o fôlego, indecisa entre recolher a papelada no chão e tentar encobrir com o corpo as anotações no quadro. Por fim, com a suposta intimidade que o sujeito tinha demonstrado com elementos de cálculo, ela achou mais seguro continuar em pé, impedindo o quanto pudesse a visão das equações.
— Bom — ele respondeu enquanto se agachava e passava a recolher os papéis que ela havia deixado cair —, espero não ser quem você estava esperando.
Com a respiração agora controlada, ela pensou: é ele, à paisana? Não, a altura realmente não conferia. Ou conferia? Sem terno preto e óculos escuros um homem muda substancialmente, até no tamanho.
— Eu… não esperava ninguém — disse.
— É — ele concluiu, entregando a papelada, que ela hesitou alguns instantes em pegar. — Isso também eu percebi.
— Pois eu repito a pergunta — ela falou, abraçando os papéis como se os tivesse resgatado depois de pagar um penoso resgate. — Você, quem é? Eu pedi ao zelador para não deixar ninguém entrar.
— Sossega, ele não foi relapso. Só não estava lá quando cheguei — e imediatamente mostrou a identificação plastificada:
— Jerônimo Monteiro. Sociedade Brasileira de Física.
Ela reconheceu o logotipo, mas preferiu não abrir a guarda. Apenas deu uma repentina e minúscula afastada do quadro-negro, temendo que o pulôver encostado nele pudesse ter apagado o giz de algum trecho do emaranhado de equações. E então falou:
— Você… é físico? Não estou te reconhecendo.
— Ainda no mestrado. Mas escrevo para a revista da Sociedade.
Sim, alguns quocientes do quadro negro haviam sido apagados de leve. Ela começou desajeitadamente a bater o pó das costas do pulôver, até que ele chegou mais perto:
— Posso ajudar?
— No quê?
— A bater em você.
Ela juntou mais ainda os papéis contra si.
— Além de me fazer atirar o giz no teto, me fazer jogar minhas anotações no chão e agora querer me bater, posso perguntar o que mais você quer de mim?