Decerto a ideia que define mais perfeitamente o casamento é a sugerida por Machado de Assis (1839-1908), clássica, sobre Deus ter inventado o amor e o diabo, invejoso, ter feito com que o homem o confundisse com cartório, preto no branco, igreja enfeitada, sermão de padre, bolo e champanhe. É necessário se aguardar mais de cem minutos para que “Padrinhos LTDA” chegue ao fim e só aí aflore a conclusão um tanto óbvia, que casa, se me permitem o calemburgo, com o niilismo bem-humorado do Bruxo do Cosme Velho, que sucumbiu ao casamento, mas guardou a prudência que o caracteriza e não transmitiu a ninguém o legado de nossa miséria. Enquanto isso, o filme de Jeremy Garelick é uma sucessão de grosserias, facilidades, artificialismos e constrangimentos, ainda que a performance de Josh Gad confira ao resultado final alguma substância dramática, algum sentimento, algum calor, e, portanto, não se deve jamais perdê-lo de vista.
O Doug Harris de Gad, um bem-sucedido advogado tributarista de Los Angeles, surge para o público num escritório amplo, mas que parece minúsculo, tamanha a quantidade de livros, processos, móveis. Nem é preciso dizer que Doug é um daqueles tipos que se deixam absolver pelo expediente, que continua para muito além do relógio e segue avançando, avançando, até que ele reste só na imensidão de prédios vazios de longe em longe, cujas janelas iluminadas angustiam crianças insones. É na solidão desse ambiente tão impessoal que Doug tenta resolver uma das complicações mais íntimas que alguém pode ter. As vésperas do casamento com Gretchen Palmer, a loira meio tola, mas nada ingênua, como se vai ver, de Kaley Cuoco. A vida foi adiante, seus velhos amigos não o conhecem mais — e se ele trocasse um pouco de seu pragmatismo a toda prova por algum senso de realidade, constataria que ele tampouco os conhece —, e faltando uns dias para a cerimônia, se dá conta de que não tem ninguém que possa chamar para seu padrinho. O roteiro de Garelick e Jay Lavender não deixa muito claro como o mocinho torto vivido por Gad fica sabendo dos serviços de Jimmy Callahan, o dono de uma agência que se ocupa de liquidar esses problemas nada objetivos. Kevin Hart entra em cena como esse mago que tira da cartola os tipos mais bizarros e pensa que vestindo-os com um fraque eles tornam-se os cavalheiros de conduta ilibada, índole escorreita e carreira admirável de que seu novo cliente precisa para não fazer feio para Ed, o sogro meio psicopata, de Ken Howard (1944-2016). Mas tudo de pior que poderia acontecer nessa relação toma forma muito antes de os noivos subirem ao altar, e se Doug se atentasse às evidências, como faz numa das sequências de encerramento, poupar-se-ia a si e ao espectador do circo grotesco em que “Padrinhos LTDA” se transforma. Com direito a ver Cloris Leachman (1926-2021) arder em labaredas incontroláveis sem nenhum motivo.
O que verdadeiramente incomoda no filme de Garelick é o desperdício de talentos e o pouco caso com uma premissa não exatamente original, uma vez que John Hamburg já havia levado à tela “Eu te Amo, Cara” (2009), muito parecido ao que se tem em aqui, com a vantagem de manter o controle das cenas potencialmente farsescas. O diretor poderia ter conservado o sarcasmo e mesmo o mau gosto de um sem-número de cenas, desde que houvesse em “Padrinhos LTDA” o mínimo de coerência. Da maneira como a trama se revela, fica parecendo que queria mesmo só chocar a burguesia, e o que consegue mesmo é aborrecer sem dizer nada.
Filme: Padrinhos LTDA
Direção: Jeremy Garelick
Ano: 2015
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 7/10