De tempos em tempos, o mundo é sacudido por momentos em que todo o caos da vida desaba sobre o homem de um só golpe. A crise provocada pela Grande Depressão, espiral de infortúnios na economia e na política do Ocidente quando da quebra da Bolsa de Nova York, na quinta-feira de 24 de outubro de 1929, desencadeou os eventos sobre os quais o mexicano Alejandro Springall se debruça em “Sonora”. A expulsão dos mexicanos pelo republicano Herbert Clark Hoover (1874-1964), presidente dos Estados Unidos entre 1929 e 1933, e a consequente interdição da fronteira, lança o México na onda de ultranacionalismo que Springall estuda em seu filme, cujo título alude justamente à cidade a que os chineses se dirigiam depois de, num movimento semelhante ao encabeçado por Hoover, o presidente Pascual Ortiz Rubio (1877-1963) ter resolvido tachar como cidadãos inferiores os chineses que viviam no México há pelo menos duas décadas, desde que a imigração sino-mexicana fora estimulada por Porfirio Díaz (1830-1915) como uma medida para impulsionar a economia ao longo dos 27 anos em que esteve à frente do país, de 1884 a 1911.
O roteirista John Sayles toma por ponto de partida “La Ruta de los Caidos” (“a rota dos caídos”, em tradução literal), o romance de Guillermo Munro Palacio, e reconstitui episódios reais de um período de que o México nunca se orgulhou, e por isso mesmo tentou esconder o quanto pôde. Um povo que lida de modo festivo com temas tão controversos como a morte esmerou-se por anos em ocultar a política internacional vigente no Porfiriato, e claro, redobrou esses esforços quando Rubio, num gesto de mesquinha retaliação, atirou na incerteza um nicho de população que deu o sangue no último estágio da retomada econômica após a Guerra Mexicano–Americana (1846-1848), gente como Lee Wong e a mulher, Alma, de Jason Tobin e Giovanna Zacarias, obrigados a abandonar o restaurante que mantinham depois da interdição da Guarda Verde, milícia que fiscalizava por sua própria iniciativa — e com patrocínio do Estado — se as ordens de Rubio eram cumpridas. O deslocamento dos dois, junto com Anita, a filha pequena interpretada por Abbie del Villar Chi, dá azo aos conflitos que Palacio narra em seu livro e que Sayles tem o condão de galvanizar, com a ajuda da fotografia de Serguei Saldívar Tanaka, que potencializa o anil do céu em contraste com a areia dourada do deserto de Sonora. Ao passo que Lee e Alma empreendem a fuga de seu éden particular, um grupo de outros viajantes segue em paralelo, até que esses dois mundos se chocam numa reviravolta inesperada, que dá ritmo à história, bastante linear até então.
Springall elabora a contento subtramas eivadas de clichês e reducionismos, a exemplo da que tem Emeterio, o índio alcoólatra de Joaquín Cosio, por protagonista. Essas pílulas de politicamente incorreto vem à calhar num enredo sobre a hipocrisia, a intolerância e o destempero de políticos, um expediente que cruza os anos sem demonstrar nenhum cansaço.
Filme: Sonora
Direção: Alejandro Springall
Ano: 2018
Gêneros: Faroeste/Drama
Nota: 8/10