Suspense psicológico que acaba de chegar à Netflix é o filme mais visto da atualidade no Brasil Divulgação / Netflix

Suspense psicológico que acaba de chegar à Netflix é o filme mais visto da atualidade no Brasil

Por mais isolada que uma terra seja de todas as outras, literal ou metaforicamente, delimitada por um território quase inalcançável e orgulhosa de sua mentalidade progressista, arrojada, encarnação de um pensamento democrático que defende, sem o cinismo da periferia do mundo, que os indivíduos podem mesmo ser o que desejarem, sempre resta um pequeno detalhe fora da ordem, uma inadequação qualquer que fomenta um sem fim de distúrbios. Em “O Lobo Viking”, o norueguês Stig Svendsen repisa uma ideia algo batida do repertório do terror a fim de saltar para o caráter eminentemente prosaico de seu filme, sem deixar que o vínculo entre esses dois extremos de seu trabalho se esgarce. Svendsen mantém o espectador sempre no fio da navalha, equilibrando-se de um lado para o outro, sem saber direito o que esperar da história, que também flerta com um thriller formulaico, protocolar, resolvido um tanto depressa. A ambivalência do roteiro, do diretor e Espen Aukan, desorienta à primeira vista, mas conforme a história avança, fica mesmo claro que este é um filme sobre o homem e suas inconsistências e debilidades.

Após a explicação sobre a origem do mal na Noruega — lírica e aterradora, como convém a quase tudo quanto respeita à cultura escandinava —, Svendsen joga luz sobre o cotidiano de uma família comum. Thale Berg, a garota-problema vivida por Elli Rhiannon Müller Osbourne, vai morar com a mãe em Nybø depois que o pai morre subitamente. Liv, a heroína interpretada por Liv Mjönes, tenta se adaptar à convivência com a filha, pouco mais que uma hóspede indesejada e também cheia de outras prioridades, feito qualquer adolescente, e entre o trabalho como policial na naquela cidadezinha meio esquecida dos rincões do norte do mundo, na vastidão de bosques profundos e noites intermináveis, e o novo posto que é forçada a assumir, tenta ter uma vida marital minimamente satisfatória com Arthur, de Vidar Magnussen, que não sabe muito bem que papel desempenha na relação das duas.

“O Lobo Viking” desembarca da crônica de costumes muito calculadamente, jamais abandonando-a de todo. Thale comunica ao padrasto que vai sair, cruza com a mãe no quintal e segue para uma festa nas imediações da praia, próximo à floresta. Trond Tønder realça o sublime e o tétrico das paisagens nórdicas, valendo-se da luminosidade ora evanescente, ora quase baça de Nybø na intenção de contribuir com a atmosfera de mistério cada vez mais decisiva para que se vislumbre o que espera a antimocinha de Osbourne e os outros jovens com quem passa a sair, entre eles, Jonas, papel de Sjur Vatne Brean, por quem vai se apaixonando para sua própria surpresa. Essa sua primeira interação com a turma da nova cidade presta-se a um legítimo batismo de sangue devido à aparição de uma criatura bestial, que encerra o grande mistério que esclarece boa parte das circunstâncias nem tão enigmáticas assim dispostas ao longo de pouco mais de hora e meia de um suspense psicológico que se mistura ao terror sem prejuízo da sutileza.

Invocando elementos das mitologias escandinava e celta, expostos com refrescante originalidade no excelente “Os Banshees de Inisherin” (2022), de Martin McDonagh, Svendsen furta-se ao banal e lembra que mesmo um país rico e espantosamente civilizado precisa ter medo de alguma coisa. “O Lobo Viking” avisa, com muita cautela, que uma vez que o demônio se instala, há que se aprender a dominá-lo. Por bem ou por o mal.


Filme: O Lobo Viking
Direção: Stig Svendsen
Ano: 2022
Gêneros: Suspense/Terror
Nota: 8/10