Convencionou-se dizer que o cinema é uma arte de diretor e que filmes são basicamente projetos muito pessoais, cheios das idiossincrasias de quem põe aquela história para rodar. Em se levando a premissa ao pé da letra, infere-se que cineastas são seres extremamente truculentos, certo? Bem, pode-se tomar o argumento por verdadeiro ao se analisar a vida de determinados diretores, mas a verdade mesmo é que a natureza humana é que é violenta, desde que éramos apenas espermatozoides doidos para derrotar todos os outros milhões de concorrentes rumo à concepção. A Bula acredita que a catarse — palavra que remete ao verbo queimar no original grego — por meio da violência é muito bem-vinda (estamos falando de cinema, que reste claro) e, desse modo, elencou cinco filmes para deixar o cabeção ardendo. A lista não obedece a critérios de classificação. Assista, reflita e vamos trocar uma ideia.
Uma mulher acorda em uma cápsula criogênica, sem ter a menor ideia do que está fazendo naquele lugar. Completamente isolada do mundo, contando apenas com um dispositivo chamado MILO, para sobreviver ela precisa buscar no que resta de sua memória um jeito de se libertar antes que o oxigênio acabe. A história principia como um thriller de ficção científica, mas logo se mostra uma alegoria ricamente construída pelo diretor Alexandre Aja e a roteirista Christie LeBlanc de como está sendo a vida de muita gente ao longo da pandemia de covid-19, um cenário de mudanças indesejadas, incerteza, desespero e verdadeiro caos, em que nos vimos todos obrigados a repensar nossas prioridades a fim de não perder o fôlego.
O cinema asiático vem conseguindo quebrar paradigmas e preconceitos e adquire cada vez mais proeminência, em todos os gêneros, dando corpo às tramas mais complexas e trazendo novos olhares sobre questões que se imaginava emboloradas — e faz tudo isso com competência e originalidade, muitas vezes misturando uma série de linguagens fílmicas numa trama só. Em “The Soul”, o assassinato de um grande empresário dá azo a uma investigação minuciosa por parte do promotor Liang Wenchao e sua esposa, a agente A Bao. Aos poucos, eles vão decifrando os muitos mistérios do caso, como o de que todos os que eram próximos ao morto apresentavam razões muito sólidas para acabar com ele. A partir de então, percebem que estão em grande perigo se não descobrirem logo a identidade do criminoso.
Quem gostou de “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” vai aprovar o filme de Kaufman, adaptação do romance de estreia do escritor canadense Iain Reid sobre uma mulher que depois de seis ou sete semanas quer terminar o relacionamento, mas mesmo assim aceita viajar para conhecer a fazenda dos pais do namorado, o que vai fazê-la repensar muitas coisas, o que suscita um fluxo de pensamentos monomaníacos que incluem, sim, romper com o parceiro, mas sugere também mudanças muito mais profundas.
“O Céu da Meia-Noite” apresenta a história de Augustine, cientista à beira da morte que decide permanecer no mundo enquanto os demais terráqueos migram para outros pontos da galáxia, a fim de fugir do risco de contaminação radiativa. Augustine acompanha um projeto de exoplanetas, comunidades de colonização fora da Terra, na esperança de que os estudos apontem novas possibilidades de lar para quem saiu do planeta. Ele se depara com duas surpresas: uma criança abandonada no Ártico, que a partir daí passa a fazer parte de seu cotidiano solitário e entediante, e a descoberta de uma equipe de astronautas que regressa de Éter, a lua de Júpiter, com boas notícias. Contudo, Sully, a comandante da missão, não consegue entrar em contato com a Terra porque pensa que não há mais ninguém por aqui.
O suspense do diretor Jang Hang-jun vem confirmar a trajetória ascendente do cinema sul-coreano. A narrativa do ótimo “Rastros de um Sequestro” gira em torno de Jin-Seok, que acaba de se mudar com a família para uma casa nova. Certa noite, o rapaz presencia o sequestro do irmão mais velho, Yoo-seok, que volta 19 dias depois, sem se lembrar de nada. A reação de Yoo-seok poderia ser entendida como natural frente a tamanho choque, mas Jin-Seok começa a estranhar o comportamento dele e o fato de o irmão sempre sair a altas horas. Convencido de que a pessoa que passou a conviver com a família não é Yoo-seok, o protagonista decide investigar o caso por conta própria.