A adolescência, definitivamente, é o inferno astral da humanidade por excelência — e a indústria cultural o sabe perfeitamente. De um ano para o outro, a sensação que o público leigo tem é que pululam os filmes sobre garotos e garotas implicados nos problemas típicos dessa fase da vida, por sua própria culpa ou como se empurrados, pelas circunstâncias, por decisões equivocadas, companhias duvidosas ou tudo isso embolado. Muitos desses filmes são livre ou totalmente inspirados em livros que fazem a festa do mercado editorial de tempos em tempos, fazendo girar uma roda cujo auxílio é imprescindível para que a economia não pare de se movimentar, mesmo sem tempos de marasmo. Goste-se ou não do gênero, atribua-se-lhe caráter verdadeiramente artístico ou parta-se para o ataque, acusando-se as supostas pretensões pedagógicas que possam haver por trás dessas histórias, o fato é que os filmes voltados a refletir anseios e temores da população mundial com idade entre treze e dezenove anos, cerca de um bilhão de pessoas, constituem um mercado por si só, e ninguém o ignora, muito menos os estúdios, que encontram nesse nicho um público fiel, que tem passado a ingressar no mundo do trabalho cada vez mais cedo e com mais qualificação formal.
Brandon Camp é capaz de se comunicar com esse espectador como poucos. Compreendendo as dores e as delícias de uma garota mimada em “Amor e Gelato” (2022), o diretor vai expandindo o horizonte de sua história sem pressa, enquanto se vislumbra ao fundo o que quer realmente dizer. Ninguém em sã consciência pode passar por cima da evidência de que são necessárias umas boas tomadas de paisagens e monumentos históricos — no caso, o céu sempre acintosamente limpo da Itália, de onde emana a luz no tom preciso de dourado que banha o Coliseu e a Piazza Navona no verão — a fim de fazer com que um roteiro essencialmente simplório funcione —, mas Camp sabe imprimir a seu trabalho algo mais que apenas beleza, por mais que seu texto, derivado do livro homônimo de Jenna Evans Welch, apele à estética comprovadamente hipnótica das locações italianas. Chamariz para públicos diversos, exógenos e mesmo refratários a esse formato, os belos cenários têm exatamente essa função na trama e não chegam nunca a ofuscar o que se intenta ter como digno de ser narrado.
Lina é americana, mas ainda que a contrapelo, tem laços estreitos com a Itália, que não conhece. Sua viagem ao país se dá sob o pior pretexto: sua mãe, cuja imagem nunca vem à tela, nem em flashback, morre de câncer e lhe deixa um diário, em que confidencia que deseja que a garota vá a Itália, primeiro porque será uma viagem inesquecível. Se ela de fato for, seu segundo pedido é que procure seu pai biológico, que nunca quis saber dela. Malgrado não se possa exigir demais de enredos assim, há que se apontar essas incongruências lógicas na história, mais uma que reforça o chavão que perpetua adolescentes como indivíduos excessivamente volúveis, imaturos, vulneráveis a todo gênero de influência, dos vivos e de quem não pode mais se explicar. Lina, vivida por Susanna Skaggs num bom momento, é recepcionada pela madrinha, Francesca, de Valentina Lodovini, casada com Howard, o grande amor não correspondido da mãe da protagonista, interpretado por Owen McDonnell, americano radicado na Itália. A partir do encontro de Lina e Howard, outras subtramas tomam corpo no eixo central de “Amor e Gelato”, como a descoberta do que ela, dedicada aos cuidados para com a mãe ao longo de anos, entende por amor, que primeiro atende pelo nome de Alessandro, o playboy meio inconsequente encarnado por Saul Nanni; depois por Lorenzo, o aspirante a chef de Tobia De Angelis. A verdade é Lina é inexperiente demais e está confusa demais para saber de quem deve gostar, e esticando um pouco o raciocínio, pode-se dizer que não gosta nem de si mesma. Até o deslocamento de Roma para Florença, onde o homem que a mãe lhe dissera ser seu pai mora lhe permite as iluminações de que tanto precisava, a mais importante delas a respeito de Howard.
Comentários das leitoras de Welch com quem troquei impressões me disseram que o filme é infinitamente melhor que o livro, opiniões que eu sempre levo em conta quando se trata de analisar filmes que nascem da pena sacramentada pela palavra meramente escrita, imutável, eivada de uma dose de solenidade em excesso. Sempre pairam nos livros mal-entendidos que os filmes esclarecem, ou melhoram, ou só apagam. Sem ter lido o romance de onde saiu “Amor e Gelato”, tendo a concordar com elas. Essa é a mágica fundamental do cinema.
Direção: Amor e Gelato
Filme: Brandon Camp
Ano: 2022
Gênero: Comédia/Drama/Romance/Coming-of-age
Nota: 8/10