Estar sozinha não faz de você uma pessoa solitária. A pior solidão é não encontrar a si mesmo

Você sai de casa para fugir da solidão. A própria companhia começa a te incomodar. Não tem posição, o ar ficar denso, nada agrada. Já conhece todos os seus pensamentos e os monólogos já não trazem novas ideias. Você se cansa das suas manias e das suas preguiças. Por isso compensa com andanças desnorteadas e atividades inúteis. Se você não tomar uma atitude, neste exato momento, será engolida pelo sofá, e cuspida, quem sabe, só no dia seguinte. Se ficar aqui, ao amanhecer estará mais cansada, mais desmotivada e, inevitavelmente, se sentindo ainda mais sozinha. Está decido. Você vai para a rua porque não suporta estar só.

Parece uma refém que acabou de sair do cativeiro. Ao fechar a porta já esboça um sorriso. Agora a única preocupação é saber para onde ir, com quem encontrar, o que fazer. Na verdade, nada disso importa, porque você só quer mesmo ser uma pessoa livre. Livre para escolher, livre para mudar a direção, para trocar de opinião, livre para fazer o que quiser e do seu jeito. Livre, inclusive, para não fazer nada. Mas aí está o grande equívoco e você tem plena consciência dele. Sempre sente a liberdade como coisa que chega de fora, mesmo que tenha certeza absoluta de que ela vem é de dentro. Tudo bem, talvez você queira sentir a leveza da liberdade superficial. Que seja. Pelo menos hoje, a tua casa, era a tua prisão. Você precisava sair.

Encontros. Risadas. Velhas histórias que você continua achando graça com o passar dos anos. Antigos pares, os mesmos de sempre. Tem gente nova também, com outros assuntos, e o fascínio peculiar de quem acaba de chegar. Era disso que estava falando, era isso que precisava: de gente. Muita gente. Música. Ruído. Contato. Estímulo visual, sonoro e tátil. Você queria ver e ser vista, sentia a necessidade de contar — as coisas boas — e escutar outros casos. Nesse momento você só pensa no quanto é chata e solitária, e faz de tudo para que ninguém perceba. Quem nunca se burlou e fingiu ser de outro jeito só para ser aceito? Que levante a mão aquele que nunca tentou agradar ninguém.

Pronto. Você está exatamente aonde queria estar, fazendo o que gostaria de fazer, com gente que te agrada e te diverte. Está feliz. Se sente livre, se sente forte. Venceu o desânimo e arriscou o passo incerto. Não quer nem pensar no quão esmorecida e inerte estaria, deitada, neste momento, entre umas páginas de livro, uns goles de vinho, a tv ligada, a música no fone de ouvido e as conversas do cotidiano com amigos distantes.

Você se sente viva. Autônoma. Não quer que a noite acabe. Corre da solidão com o pique de um maratonista. Segue o fluxo da multidão. Muda de ares, busca cegamente por alguma coisa que te preencha, sensações que te transbordem. Procura por alegrias que nunca acabam e risadas incessantes. Novos amigos te fazem sentir uma nova pessoa.

Até que um instante de consciência te faz lembrar de quem você realmente é. E você não é tão legal quanto parece. Sente-se envergonhada com o papelão de se transformar na sua própria marionete diante dos outros. Você se vê ali, se interpretando de um jeito fictício, heroico e infantil. Começa a querer voltar no tempo, mas é impossível. Então, retira a máscara e percebe que já não te acham tão encantadora assim.

Quem você está querendo enganar? Fugir da solidão te faz sentir ainda mais sozinha. É fato. Porque uma coisa é assumir o exílio, aceitá-lo e torná-lo até mesmo prazeroso e útil. Outra coisa é não admitir estar só e recusar a própria companhia, se trocando por qualquer programa e toda gente, lutando contra a individualidade. Pra quê escapar de si quando mais precisa de si mesma?

Quando você se dá conta de que está negando a sua condição ímpar e rejeitando a realidade unitária, perde-se a graça e o contentamento diante dos outros. Você percebe que nenhum lugar ou pessoa é capaz de abarrotar o espaço vazio que habita por dentro. Tanto faz estar deitado na sua cama ou no meio de um monte de gente. A solidão é a liberdade sem saber para onde ir. Os nossos momentos de completo exílio são evidentemente esclarecedores. Fugir de estar a sós conosco só nos afasta das reflexões e da compreensão de quem somos.

Tudo que você mais quer é voltar para casa, rodar a chave na porta com um sorriso de alívio. Ligar a tv e escutar as tuas músicas no fone de ouvido. Tecer um papo agradável sobre o cotidiano com os teus amigos distantes. Ser você mesma, com os teus livros e uns goles de vinho. Inerte, engolida pelo sofá e sem nenhum problema em sair dele, quem sabe, só amanhã. Sua maior vontade é dialogar consigo sobre a noite de hoje e sobre as coisas da vida. Nada mais te incomoda, tudo te conforta. Continua cansada, desmotivada e sozinha. A única diferença é que você deixou de lutar contra si mesma.

Às vezes é preciso ver sorrisos estampados para notar que a sua graça passeia por aí desbotada. É necessário sentir a solidão fria no meio do calor do povo, notar que você não pertence à lugar nenhum senão a si mesma. Essa fuga desnorteada te fará retornar à casa, como um bom filho sempre retorna. De alguma maneira, seja acatando ou lutando contra a singularidade, chega um momento em que você admite: eu não preciso de ninguém para existir.