A mulher que queria conquistar o mundo

A mulher que queria conquistar o mundo

A primeira vez que a viu foi num show do Paulinho Pedra Azul. Violão, voz e carpete azul. E quem perdeu a fala foi ele, ao se deparar com um par de pernas leitosas a lhe apontarem e que — de tão alvas — deixavam a lua absolutamente constrangida. Aquele inusitado arsenal de armas brancas o coagia: “Respira fundo e pula comigo!”. A música, a pele, o mistério, aquele incontestável cheiro de futilidade contaminada com fertilidade, tudo era mais que um convite para que saltasse no seu decote. Então, ele mergulhou fundo nela, mas o romance não deu pé. Tanto assim que quase morreu afogado de tanto blues e Bloody Mary.

Maria, A Sanguinária era o tipo de mulher que embriagava a todos por onde quer que passase: homens, mulheres, cães andaluzes e containers de lixo. Como diria o charmoso Padre César, a ovelha causava. Causava, mas não casava. Gostava mesmo era que cada ser vivente se curvasse a ela, em reverência, penitência ou fantasia, fosse para vomitar de paixão e azia no lençol solitário de uma noite fria, fosse para derreter a lava quente do desejo no solidário cabo de uma escova de dente. Vocês sabem que cada qual lida com a paixão desenfreada da forma que dá conta: com muita contenção, verborragia ou espermatorreia.

Falar e escrever não são o suficiente. Necessário seria desenhar Maria, A Sanguinária no escopo dessa história, para que eu me fizesse entender, para que os leitores, as leitoras, os canídeos, as mitocôndrias e as cápsulas de lítio compreendessem — até o talo — o feitiço medonho que aquele impressionante naco de carne concebido por Deus exercia sobre os seres animados, inanimados, desanimados e até os efeminados, ao ponto, por exemplo, de fazer com que poetas e prosadores antiacadêmicos enveredassem — durante o sofrido, incompreendido processo de criação e loucura — pelo erotismo literário que beirava a pornografia e a vulgaridade. Já dizia o Papa na sua pregação para noviços no deserto: há uma tênue linha entre o “fazer-amor” e a sacanagem per se.

A alcunha de “A Sanguinária” adveio com o tempo, à medida de Maria ia derrubando um a um os seus amantes, sobre a cama, a lama ou o carpete, na alegria ou na tristeza, com champanhe ou grapete, até que sorte os separasse. Sim. Desmamar daquelas tetas, fugir da santa ceia que significava aquela suculenta costela de adão temperada com esteroides sexuais era uma puta sorte, um alívio, uma alforria. Dizia-se pelos bares, igrejas e manicômios da pequena cidade de Swingapura que havia uma verdadeira legião de homens e objetos sanguinário-dependentes vagando pela seara dos amores-não-correspondidos, ao ponto das autoridades sanitárias recomendarem a importação imediata de mojitos e psicoterapeutas cubanos, tendo em vista que a leva de médicos e charutos crioulos enviados anteriormente em botes infláveis pintados com as carrancas borrachosas de Barack Obama, dos Irmãos Castro e dos Irmãos Marx mais o slogan “Sí, podemos!” tinham inflamado, insurgido, sucumbido realmente aos predicados da beldade, ao descumprirem o tratado internacional, a recomendação, o pacto de groselha para não se engraçarem, muitos menos, se apaixonarem pelos swingers nativos.

Mas, se ninguém pode mandar num coração, quem dirá, em úteros e colhões. É como diz o poeta: “O amor quando acontece a gente esquece logo que sofreu um dia. Quem mandou chegar tão perto?”. Era se aproximar de Maria, A Sanguinária e sentir o catch-up borbulhando nas paredes das veias, a buscar fendas, frestas e fenestras, mananciais com milhões de microscópicos glóbulos rutilantes, ansiosos pela globalização dos gametas na superfície do chamado Planeta Óvulo, todos unidos pela esperança de jorrarem pelos poros como se sêmen fossem. Parecia, então, que um corpo humano não era tão perfeito quanto se imaginava. Mas o de Maria, A Sanguinária era tudo o que mamãe queria. Se o seu corpo fosse verbo (e havia muitos poetas punheteiros a defenderem essa tese), o tesudo corpo daquela mulher teria uma conjugação muito mais que perfeita. A conjunção carnal a qualquer tempo, ao menos, era plenamente plausível, garantiam os asseclas.

Para finalizar essa verdadeira ode a Maria, A Sanguinária — uma das mulheres mais desejadas de Swingapura, depois da Nossa Senhora das Aparências e da pinga pura — eu sei que muitos leitores haverão de questionar se eu fiz, faço ou faria parte da lista das vítimas que dariam o próprio sangue em tributo àquela criatura concebida pelo Criador a fim de criar celeuma e procriação, pelo simples capricho de perpetuar a espécie humana na Terra. Sim, eu confesso que não. Eu sou apenas um daqueles escritores antiacadêmicos enchendo o rabo de blues, picuinhas e Bloody Mary enquanto a morte não vem.