O passado é uma fonte em que cada qual bebe conforme a sede

O passado é uma fonte em que cada qual bebe conforme a sede

Nos dias de hoje, quando se fala em inovação a gente logo se lembra de alguma geringonça eletrônica, de alguma ferramenta esperta assentada nos conceitos de informática, comunicação e computação eletrônica. O mundo virtual já se tornou tão presente na vida contemporânea que muitas vezes temos dificuldades em entender se alguma coisa é de existência de fato ou meramente virtual. O credito de seu cartão, por exemplo, é de natureza real ou virtual?

No entanto, existem outras inovações ocorrendo diante de nossos olhos que às vezes nem percebemos. Até em áreas que, em princípio, são muito lentas em seu processo evolutivo. Ocorrem-me alguns exemplos na área do Direito penal. Vale lembrar que o Direito é uma ciência (ou seria mera disciplina?) tão devagar no processo de inovação que seus pilares são ainda redigidos em Latim, com suas máximas ou brocardos da época dos Césares. O Latim é um idioma tão antigo que é considerado língua morta há quase um milênio e continua sendo usado pelas ciências jurídicas. Pelas ciências jurídicas e pelo Vaticano (em códigos, bulas e homilias), outra instituição que tem uma dificuldade congênita em se inovar.

Não quero nem me referir à tão falada “Teoria do domínio do fato”. Essa que foi engendrada na Alemanha no final da primeira metade do século passado e tinha por finalidade julgar  e condenar os comandantes nazistas. Não como meros partícipes do holocausto, mas como autores mesmo. Essa teoria ganhou ares de novidade agora há pouco no julgamento do Mensalão do PT e vem provocando controvérsias entre as autoridades mais lustrosas do País.

Além desta, há outras inovações ainda mais recentes como o chamado Direito Restaurativo, que não deve ter mais que umas duas décadas de experimento na sociedade contemporânea e começa a ser usado pelo menos na Nova Zelândia, na Austrália e no Canadá. Engraçado que essa inovação vem de um passado longínquo, talvez 8 ou 10 mil anos, inspirada na justiça tribal dos índios e aborígenes.  Esse direito se preocupa mais em reparar os males causados às vítimas (pessoas, famílias, sociedade) do que mesmo em apenas  punir os culpados. Trabalha por uma restauração dos elementos conflitados, inclusive os infratores, em busca da paz social. Para os entusiastas do novo sistema, o Direito Restaurativo representa um “salto quântico” na tratativa da criminalidade. Só não me pergunte o que seria um “salto quântico”. Só sei dizer que deve ser bem maior que um “salto de vara”.

Mas no Brasil temos novidades ainda mais fresquinhas na área da justiça penal: as delações sem prova, os linchamentos, as ordálias, as vinganças privadas, os justiçamentos, as execuções sumárias. Por infeliz coincidência são inspiradas também em sistemas penais muito antigos, da época do Ronca, da Lei das 12 Tábuas, da Lei de Talião  (aquela do olho por olho, dente por dente) do Código de Hamurabi, do Kanun  e outras velharias.

Na verdade, o passado é uma enciclopédia recheada de ideias. Há ideias  para todos os gostos e preferências: de avanço, estagnação e retrocesso, em variados matizes. E cada qual que busque a inspiração que melhor lhe aprouver, conforme o sua condição e estágio civilizatório. No momento, é isto que nos inspira.