Não há declaração de amor maior do que receber uma carta escrita à mão

Não há declaração de amor maior do que receber uma carta escrita à mão

Terminei de ler “Cartas a um Jovem Poeta”. Enquanto lia as missivas de Rainer Maria Rilke ao jovem poeta Franz Xaver Kappus, me deu vontade de rever as cartas que recebi no passado. Desde criança, comecei a me corresponder com meus parentes e amigos. Eu pedia para o meu pai levar os envelopes (muitos deles eu mesma fazia) nos Correios: eram coloridos, com adesivos, desenhos e traços de uma letra redonda e infantil. A partir da adolescência, eu mesma os levava para serem selados e postados.

Ao remexer minhas caixas, onde guardo até hoje todas as cartas, encontrei algumas que mantenho somente pela lembrança, pois fazem parte de um ciclo que se encerrou. Porém, ao lado dessas, há mais daquelas que releio cada vez que as encontro. E todas elas me levam de volta ao passado, naquele lugar-tempo só meu: indizível, invisível, incomensurável; é como procurar pelas respostas das perguntas que sempre me faço e perceber que elas continuam dentro de mim.

Achei uma carta que minha avó me escreveu quando eu estava no primeiro ano da faculdade. Eu estava feliz na vida nova, porém assustada com a saudade de casa e a dificuldade de viver longe dos pais. Minha avó falou para eu não ter medo, pois eu tinha muita coisa para passar pela vida ainda; e aquilo era só o começo da minha coragem, da qual ela se orgulhava tanto. Vovó morreu algumas semanas depois de ter me enviado a carta.

Relendo as cartas que o escritor Pedro Bandeira enviou para mim no período entre 1986 e 1991, vi, nas palavras dele, que desde menina já amava ler e escrever. Quando lhe escrevi pela primeira vez, não imaginava que ele me responderia. Relembrei a alegria que senti quando chegou a primeira carta escrita pelo criador de “O Dinossauro Que Fazia Au-Au”, livro que li aos 9 anos. A felicidade foi tanta que, no dia seguinte, levei a carta dele para o colégio e mostrei para a minha professora.

O papel em que escrevemos à mão contém mais do que palavras; a carta carrega um pouco de nós mesmos: o formato da letra, o estilo do desenho, a marca do beijo com batom, o borrado provocado por uma lágrima que caiu, o cheiro do perfume que foi propositalmente borrifado. A carta é um abraço dado à distância; é a expressão do amor em silêncio.

É por isso que o papel que contém palavras impressas do e-mail recebido nunca será a mesma coisa que a carta escrita de próprio punho. Eu adoro a tecnologia digital, ela facilita a miha vida; mas a praticidade tem um toque impessoal. Não conhecemos mais a letra das pessoas. Se nem em aniversários nos telefonamos mais, imagine escrever um cartão: é mais rápido deixar uma mensagem de texto digitada ou gravada, com emojis de parabéns.

Hoje em dia estamos tão acostumados com a comunicação instantânea que parece perda de tempo só pensar em usar uma caneta. Porque dá mais trabalho: escrever, envelopar, selar, postar, esperar. É muito mais fácil enviar um e-mail ou conversar por vídeo.

Talvez tenham sido essa impessoalidade e falta de doação do nosso próprio tempo ao outro que me trouxeram a saudade da época em que escrevia cartas no caderno de rascunho para depois passá-las para a folha do papel definitivo. Lembrei-me de como curtia a expectativa que nascia depois que selava o envelope, e como era bom receber a resposta vinda pelo correio.

Quem escrevia à mão deixou a sua marca. Porque essa escrita somos nós transmutados em palavras. A carta tinha coragem em suas linhas, e os “ecos vibrantes da saudade” nas entrelinhas. E a letra de quem escreveu é capaz de aproximar quem está longe, e reviver quem já morreu — senti a presença da minha avó nas suas letras tortas e pequenas, e no jeito carinhoso como ela se comunicava comigo.