Carregue somente o que for necessário. Viver é fazer escolhas

Carregue somente o que for necessário. Viver é fazer escolhas

Não há nada pior do que a falta de inspiração para quem gosta de escrever. Entregue à possibilidade de que nenhuma ideia sairia daqui de dentro, desencanei da crônica que precisava fazer. Horas mais tarde, fui tomar um picolé. Sentada à mesa da padaria, saboreei minha pequena felicidade e ainda ganhei de presente uma frase que veio escrita no palito de madeira: “Se o mundo pode te mudar, você também pode mudar o mundo”.

O gostoso da escrita é esse estalo que a gente tem quando não está procurando pelas palavras certas. Comecei a prestar atenção nas pessoas ao meu redor. Um senhor de cabelos brancos folheava um jornal, algo cada vez mais raro de se ver em tempos de internet. Fiquei curiosa para saber sobre o que ele estava lendo, mas logo minha atenção se voltou para uma mulher que entrou na padaria aos berros. Ela gritava com uma criança, provavelmente o filho. Triste cena. Todas as pessoas pararam o que estavam fazendo para observar a mãe histérica. Quanto mais a criança chorava, mais alto ela gritava.

Fiquei olhando para a frase no palito do sorvete. Sim, o mundo já me mudou algumas vezes, mas como eu poderia mudar o mundo?

Ouvindo o chilique daquela mulher, lembrei-me dos contratempos que já tive na vida, das vezes em que senti vontade de sair por aí gritando com quem atravessasse à minha frente. Cheia de raiva e incompreensão por mim mesma, num período em que a solidão era o vazio que me preenchia por dentro, eu estava perdida. Não sabia qual rumo tomar: se ficava, se desistia, se ia, se recomeçava.

Entendi aquela mulher: ela estava sofrendo. Não bastassem os seus problemas pessoais, quaisquer que fossem, o dia havia amanhecido com mais um escândalo político. O preço do tomate e da gasolina tinha subido outra vez. Uma moça fora morta pelo namorado. Uma criança, estuprada pelo padrasto. Os culpados se safaram da condenação. A fila do SUS estava virando a esquina e a paciência de todos nós. Dava para entender tanto desespero.

Talvez aquele senhor que estava lendo o jornal, num canto isolado da padaria, também estivesse sofrendo. Talvez você esteja agora mesmo sentindo uma dor que não sabe nomear. A vida não está fácil, eu sei. Tem muita gente por aí perdida nos próprios sentimentos.

Mas talvez estas pessoas não estejam se esforçando para mudar o que lhes traz sofrimento. Algumas por comodismo, outras por falta de instrução, ficam esperando demais do futuro enquanto se lamentam o tempo todo pelo que já foi, e esquecem que o momento presente é o melhor em que poderiam estar. Assim, não conseguem encerrar ciclos e não deixam a vida seguir o seu fluxo, nem que para isso seja preciso desacelerar um pouco: com menos internet e mais passeio ao ar livre, menos briga e mais paciência, menos “não quero” e mais “eu posso”.

Guardei o palito do sorvete. Ainda não sei como vou mudar o mundo, se é que vou. Mas senti certo conforto ao perceber que tudo que tenho feito até agora tem sido uma sucessão de escolhas. Talvez a mais significativa escolha que fiz tenha sido aprender a deixar para trás o que não me faz feliz — por mais doloroso que seja. Assim a vida fica muito mais leve, como um picolé de limão.