Felicidade é achar dinheiro esquecido no bolso. O resto é alegria passageira

Felicidade é achar dinheiro esquecido no bolso. O resto é alegria passageira

Felicidade é achar dinheiro no bolso. Aquela nota de cinco reais borrada, amassada, toda lascada, sobrevivente da potência da máquina de lavar e da eficiência do sabão em pó multiação que limpa, desinfeta, amacia, perfuma e vem com mensagem motivacional no verso da caixa. Talvez dê para comprar um salgado de presunto no boteco da esquina ou um chaveiro que brilha no escuro, no camelô do centro. Não importa se aquele papel embolado, esquecido na calça surrada, não tem potencial pra resolver a vida ou te levar a Vegas. O dia está ganho. É riso no canto da boca e alma em regozijo num prazer que supera o do salário que cai certinho na conta e o da casa quitada. Por um simples motivo: não era esperado.

O ser humano é bicho confuso. Passa a vida querendo estabilidade, mas abana o rabo mesmo é para o que está fora do script. Depois de um tempo as coisas boas ganham um ar de normalidade que aniquila nossa capacidade de reconhecê-las como matéria-prima para contentamento. Culpa desse buraco inconveniente que carregamos no peito e que pede sempre uma novidade como prova de que há razão para festejar. Ter saúde, comida, cama quente no frio e ar condicionado no verão não conta tanto. Ter mãe e pai vivos, local de trabalho salubre, amigos parceiros e guarda-roupa completo até que conta, mas passa batido. É aquele negócio: já estão internalizados como o básico, que deixamos de ver como vantagem. Basta, porém, um palito de picolé premiado e ressurge a sensação de que tudo vai bem.

Sejamos francos: a gente sabe que a regra para ser feliz é valorizar o que se tem — e sabe, sobretudo, que não há regras para ser feliz. Mesmo assim, soa plausível que o segredo do bem-estar duradouro esteja em enxergar como sorte o que tende a parecer comum. Cientes disso, nos esforçamos no mantra da gratidão. A gratidão cotidiana, tantas vezes banalizada, triunfante no modismo que assola as redes sociais ornamentado com emojis e frases de autoria duvidosa, mas que cumpre a função de nos tornar atentos aos privilégios que nos cercam. Gratidão pelo pão na chapa, pela liquidação da loja, pelo ônibus que passou no horário, pelo pombo que desviou de nossas cabeças, pelo teflon que não deixa a omelete grudar na panela… seguimos o baile nos patrulhando para sermos gratos, tentando nos convencer de que o júbilo reside ali, no sossego do dia a dia. O coração, contudo, não se engana e palpita ávido por um ponto fora da curva que agite o marasmo da “felicidade normal”.

Temos guardado no canto da mente um tapete vermelho que estendemos ao que nos tira do eixo. Gostamos mais do romance que nasce improvisado na fila do mercado, quando saímos de casa com o cabelo rebelde e a camiseta furada, que daquele planejado com pompa, maquiagem e expectativa alta. É tão mais gostoso o beijo sem hora marcada, o presente fora de data, a festa que surge do nada, a cereja que estava no fundo do bolo. Nos deliciamos com a visita inesperada de quem amamos e com o “chorinho” extra de tequila que o garçom põe no copo sem a gente pedir. Que dia bom o que a previsão anunciou como chuvoso e amanhece ensolarado! Que maravilha os abraços espontâneos, a notícia de que o dólar caiu na véspera da viagem, a recuperação de alguém cuja doença era dada como fatal, o motoboy que chega com a pizza 20 minutos antes do previsto. Adoramos ser surpreendidos. Somos movidos pelas surpresas que nos libertam da rotina implacavelmente insossa.

Talvez estejamos viciados em adrenalina. “Aí é que mora o perigo”, diria minha avó, pouco afeita a grandes malabarismos para dar sentido à própria história. Provavelmente por fazer parte de uma geração mais sábia ou, em síntese, menos agoniada em fazer valer essa jornada que parece estar sempre abaixo do que gostaríamos de vivenciar. Cultivamos em nosso imaginário a fantasia de que, em algum lugar do mundo, algo mágico nos concederá a alforria nos salvando dos grilhões da monotonia que ocupa boa parte da nossa trajetória. Vida adulta… fazer o que… Não dá para saltar de paraquedas, espairecer em Bali ou dançar até o amanhecer todo final de semana. Impossibilitados de sacudir a inércia a todo o tempo com grandes aventuras, vamos amenizando a chatice dos dias costumeiros celebrando o pouco que destoa da mesmice acachapante das felicidades lineares.