Autor: André J. Gomes

Recado de afeto àqueles que sonham

Recado de afeto àqueles que sonham

Lá vai alguém que sonha. Vai pisando seus medos, sofrendo sua ansiedade. Para, respira, sente fome, perde o apetite, foge de sabe-se lá o quê, senta na grama, levanta, dorme, acorda, cantarola, chora. Lá vai alguém que sonha seu caminho leve, procura o sol entre uma sombra e outra e sofre o peso de cada passo, desvia de buracos, armadilhas, arapucas, alçapões. Lá vai alguém que sonha. Vai em cima da hora, acelera na estrada à tardinha. Anda só na companhia de alguém que sangra, que parte e que há de voltar. Segue adiante.

Da graça absoluta que tem uma mulher sorrindo

Da graça absoluta que tem uma mulher sorrindo

Ali mesmo tem uma mulher sorrindo. Abra os olhos de ferro e cimento e fumaça, universo! E guarde o sorriso dela em suas curvas, em suas idas e vindas, em seus abismos de mistérios. Ela vai fechar esse sorriso daqui a pouco. Alguém vai jogar areia nos olhos dela. Por maldade, por pura maldade, alguém vai barrar-lhe o riso. Ela vai se recolher na labuta, dedicada, trabalhadora. E vai esperar a hora de sorrir de novo. Vai sonhar com a possibilidade de um milhão de pessoas perderem uma moeda em frente à casa de quem precisa de dinheiro.

Vou-me embora pra Macondo

E diz que quando um homem extraordinário chega ao Reino dos Céus é feriado santo. Por obra do acaso, mera coincidência, conspiração dos anjos ou expressão suprema da Vontade de Deus, hoje é. Aquele que mostrou ao mundo que a América do Sul não é só um senhor de bigodes com um violão e um revólver partiu. Simples, satisfeito e agradecido, voou sorrindo sua curiosidade sobre o que virá, o que sempre vem, lançado às nuvens pelo sopro fresco e perfumado de mil anjos, até chegar ao paraíso em festa literária para ele.

Era uma vez o amor em sua primeira vez

Era uma vez o amor em sua primeira vez

Vi você e vi a mim mesmo nessas paragens, construindo nosso depois de amanhã, multiplicando nossas lembranças. Porque o amor deve ser isso mesmo, né? Esse escandaloso milagre da multiplicação. Vi encontros e partidas, esperas, chegadas. Vi nossos enganos, nossa saudade, nossa alegria do encontro seguinte, nossa paixão avassaladora, nosso amor se acalmando e se deitando em nosso colo, sob a sombra de uma tristeza sempre à espreita, uma sensação de que a qualquer tempo a festa acaba.

A esperança é a primeira que vive

A esperança é a primeira que vive

Ah… pessoa amiga! Bom ver você aqui. Andei longe, enfiado em caminhos por onde se encontra tudo menos gente como você, correta, valente, cheia de vida. Andei por baixo, mirando os desenhos e as ranhuras do chão, varrendo as calçadas com os olhos. Parti ladeira abaixo buscando sei lá o quê, fugindo já não sei de quem. Arrastei a alma vazia no asfalto, feito saco plástico levado pelo vento, e caí em tantos buracos quanto os passos que dei, passos maiores que as pernas tomadas de câimbras e ansiedade.