Uma Livraria em Berlim, de Françoise Frenkel, um pequeno diamante para o cérebro

Uma Livraria em Berlim, de Françoise Frenkel, um pequeno diamante para o cérebro

É uma história de Patrick Modiano mas não escrita por Patrick Modiano. Mas o prefácio é do escritor francês. O livro “Uma Livraria em Berlim” (há edições em francês, inglês e saiu uma edição na Espanha pela Editora Seix Barral), de Françoise Frenkel, é tido com um pequeno diamante para o cérebro, inclusive por Patrick Modiano, o notável Nobel de Literatura.

Nascida na Polônia, em 1889, a judia Françoise Frenkel mudou-se para a Alemanha e, em 1921, fundou uma livraria francesa (estudara em Paris) em Berlim — La Maison du Livre. Resenha do jornal “El Periodico”, assinada por Anna Abella, informa que escritores consagrados — como Gide, Colette, André Maurois e Vladimir Nabokov — “batiam ponto” na livraria. A livraria organizava conferências, lançamentos de livros e audições de discos.

Uma Livraria em Berlim
Edição espanhola de Uma Livraria em Berlim

Porém, com a chegada de Hitler ao poder, em 1933, tudo mudou. Os judeus começaram a ser perseguidos e suas lojas dilapidadas, como na Noite dos Cristais (ou Noite de Cristal, segundo o livro de Martin Gilbert). O marido de Françoise Frenkel, o russo Simon Raichenstein, escapou para a França, em 1933, mas, com a invasão do país pelos nazistas, foi aprisionado e levado para Auschwitz, em julho de 1942. Lá foi assassinado.

Françoise Frenkel ficou em Berlim, gerindo a livraria, até 1939, quando decidiu que era hora de escapar, para sobreviver. A pesquisadora Corine Defrance publicou um estudo sobre a livraria, em 2005, e revelou que ela só se salvou, na Noite dos Cristais, graças à proteção da Embaixada Francesa.

Na sua última noite em Berlim, mesmo angustiada, passou “velando os livros”, “despedindo-se deles na livraria”. Lá era um ponto de encontro dos homens relativamente livres; era um local onde, apesar das pressões do totalitarismo nazista, respirava-se liberdade. No seu livro, conta que nazistas da SA sentavam-se na janela da livraria, ameaçadores, sugerindo que sabiam que era uma casa judia.

“Uma Livraria em Berlim” (inédito em português), escrito entre 1943 e 1944, foi publicado pela primeira vez na Suíça, em 1945. Em 2010, resgatado do esquecimento, saiu na França, com prefácio de Patrick Modiano, que tem paixão por histórias desta natureza. O título em francês é “Rien où Poser sa Tête” (“Nenhum Lugar Onde Descansar”)

Patrick Modiano pesquisou a vida de Françoise Frenkel, mas não descobriu muitas coisas. Não descobriu nenhuma fotografia da livraria. Sabe-se que a livreira morreu em 1975, em Nice, na França. Há um recibo de um lugar no qual se guardava objetos, como um baú que a livreira conseguiu retirar de Berlim. Nele havia roupas, coisas de uso pessoal e duas máquinas de escrever. Depois da Segunda Guerra Mundial, ela retomou seus pertences. Em 1960, o governo alemão a indenizou com 3.500 marcos.

Os leitores do livro certamente querem saber mais sobre Françoise Frenkel, que desde os 16 anos queria ser livreira. Mas é preciso mesmo? Patrick Modiano discorda: “Na realidade, faz falta saber mais? Não acredito”. O autor dos excelentes romances “Dora Bruder”, “Ronda da Noite” e “Uma Rua de Roma” sublinha que “a grande singularidade de ‘Uma Livraria em Berlim’ procede justamente de que não podemos identificar a sua autora de uma maneira precisa. Esse testemunho da vida de uma mulher encurralada entre o sul da França e a Alta Saboya durante o período da Ocupação [nazista na França] é mais impressionante quanto mais anônimo nos parece”. A história de Françoise Frenkel parece, insisto, uma história de Patrick Modiano e daí seu interesse por ela.

No dizer de Patrick Modiano, Françoise Frenkel “oferece seu testemunho ‘para que os mortos não sejam esquecidos’ e o dedica ‘aos homens de boa vontade que, com uma valentia inesgotável, se opuseram à violência e resistiram até o final’”.