Antigamente gente que falava sozinha era tida como louca. Todo mundo tinha alguma história de um parente que falava sozinho, que ficava conversando consigo mesmo, gritando com as paredes, xingando todo mundo do nada. Eu tinha um desses, era o tio Zé, o meu tio maluco.
Mas aí surgiu o telefone celular e todo mundo passou a ficar o dia inteiro apertando um aparelho destes no ouvido e falando sozinho. Então, para piorar, inventaram o tal do fone de ouvido e depois um microfone pequenininho, uma parada que nem aquela que a Madonna usa em seus shows, e as pessoas passaram a falar no celular com as mãos livres. Foi aí que todo mundo que fala no celular parece que está falando com as paredes. Volta e meia a gente vê um sujeito andando na rua falando gritando em altos brados e só depois de muito tempo percebemos que está falando no celular.
Pois é, um dia desses eu estava num restaurante almoçando com um amigo quando na mesa do lado um desses tios malucos modernos começou a falar sozinho. Sem parar de comer, ele discutia em altos brados com o homem invisível as suas agruras no mercado imobiliário. Lá pelas tantas, quando todo o restaurante acompanhava a sua gritaria sobre preços de apartamentos na zona sul eu resolvi me levantar, me aproximei do sujeito e falei qualquer merda, só pra participar da conversa:
— Aí, eu se fosse você comprava o Corcovado e o Pão de Açucar logo, que estão desvalorizados.
O cara achou estranho, me olhou meio assustado.
— Tá falando comigo?
— Tô, eu também quero participar dessa conversa sobre mercado imobiliário!
— Participar? Mas eu não tô falando com você, tô falando com o meu sócio no telefone.
— Pra mim você está falando sozinho. Então pra não parecer que você é maluco, eu posso participar.
— É claro que não! A conversa é particular! — o cara estava nervoso, deve ter pensado seriamente em me dar uma porrada, mas viu o meu tamanho, nessas horas ser grande e peludo tem as suas vantagens.
Ele desligou o aparelho, sem tirar a geringonça do ouvido e enfiou a cabeça no prato de comida. Ainda recebeu mais uns dois telefonemas, mas dispensou rápido. Mas a paz não voltou a reinar no restaurante, pois logo outros tios malucos também resolveram falar sem interlocutor a vista e não apareceu ninguém pra colocar uma camisa de força nos caras. Teve perua falando sozinha sobre festas e convites para festas, maluco discutindo sozinho a melhor escalação da defesa do Flamengo e até um playboyzinho comentando em altos brados sobre a festinha da véspera e todos no restaurante escutamos que ele pegou geral, mas ninguém acreditou.
Nessas horas fico pensando no tio Zé, meu tio maluco. Se em vez de encherem o coitado de remédios calmantes, tivessem dado esses celulares com fones para ele ficar falando sozinho, ninguém ia achar que ele tinha que ser internado! Que azar, tio, foi uma questão de anos!