Forças as mais enigmáticas e terríveis agem na vida de cada homem, do momento em que abre os olhos para a luz do mundo até a sua derradeira hora, e se não nos tornamos todos os monstros que nunca deixam de habitar o mais fundo de nossa natureza é só porque colocamos em prática, auxiliados pelo Ente superior que recebe nomenclaturas as mais variadas a depender da freguesia, as providências que garantem alguma ordem em meio ao ubíquo caos do existir. Nem é preciso dizer que há aqueles que fogem ao esperado, e é sobre eles que “Ladrões” quer falar. Essas figuras surgem já nos primórdios do cinema, despertando simpatia e asco, mas quase sempre revestidos da aura de glamour que faz suas vidas parecerem cobiçáveis. John Luessenhop reforça o lugar-comum e enaltece o charme dos delinquentes que arrancam manifestações de aceitação e de júbilo do espectador, colocando na roda a lei sob a forma de dois policiais especialmente incomodados com a farra, um ainda mais que o outro.
O roteiro de Luessenhop e um trio de colaboradores atravessa um bom pedaço do submundo de Los Angeles, a começar pela máfia haitiana, usada pelo diretor-roteirista com uma ilustração ligeira para o que acontece na Cidade dos Anjos que a indústria cinematográfica não mostra, ou o faz de um jeito chapado, sem nuanças, dando a impressão ou de ser tudo um paraíso que teima em resistir ou uma ruína moral sem conserto. À proporção que a história cresce, vai-se notando uma tentativa de se emular a obra de Michael Mann, um dos mestres do gênero por dominar como poucos a alquimia de se compor uma trama que valoriza o comedimento e o realismo que, embora teatral, vale-se de um curso mais fluido, mais orgânico, mais próximo do que a audiência pode captar. Mann trabalha a imorredoura dialética do bem e do mal, dando a entender, com louvável acerto, que um não vive sem o outro, até que vira a chave e dá às coisas seus verdadeiros nomes. É o que acontece em “Inimigos Públicos” (2009) e “Fogo contra Fogo”(1995), por exemplo.
Luessenhop trabalha numa outra frequência. Os criminosos de “Ladrões”, insolentes, vão passando ao largo do xadrez mesmo depois de anos sendo caçados pelo Departamento de Polícia de Los Angeles, do detetive Jack Welles, vivido por Matt Dillon, e seu parceiro Eddie Hatcher, de Jay Hernandez. Os dois foram destacados para, afinal, dar um jeito na quadrilha liderada por Gordon Cozier, de Idris Elba, que também parece cansado de guerra e planeja uma aposentadoria em alto estilo com a subtração de vinte milhões de dólares do cofre do banco mais recheado da Califórnia. A sensação de que tudo há de correr sem grandes impedimentos e a quadrilha — que também conta com a inteligência arrojada de John Rahway, personagem de Paul Walker (1973-2013) e a bravura inconsequente de Jesse Attica, de Chris Brown — irá escapulir pela tangente mais uma vez e gozar a fortuna surrupiada sem dificuldade perdura, até ser combatida no último instante, graças a uma solução deus ex machina bastante artificiosa.
Naturalmente, o longa cerca-se de umas tantas passagens que abrandam o desperdício de tempo, como quando o diretor esmera-se por dar alguma substância dramática ao vilão de Elba e inclui Marianne Jean-Baptiste na pele de Naomi, a irmã viciada, sempre ótima, mas o arco da subtrama resta baldado pelo caminho. No mais, “Ladrões” é uma pedida para aficionados pelo gênero, em especial para os que têm bom repertório cinematográfico e levam na esportiva os disparates de Luessenhop.
Filme: Ladrões
Direção: John Luessenhop
Ano: 2010
Gênero: Ação/Thriller
Nota: 7/10