Distopias nunca saem de moda. De tempos em tempos, a indústria cinematográfica faz questão de desenterrar o assunto e cavoucar um pouco mais, em busca de algum outro fosso de onde tirar mais munição a fim de discorrer sobre ameaças para a perpetuação da humanidade, vigentes desde sempre. No caso de “Máquinas Mortais”, o argumento, a cada dia mais vívido, da falência da terra mediante os assaltos incessantes de seus recursos naturais, renováveis e não-renováveis, vem à tona com ímpeto pressuroso no filme de Christian Rivers, e da mesma forma seus postulados que enunciam o fim da vida humana na Terra como a desfrutamos. Conceito relativo, o tempo pode ser tão prazeroso quanto insuportável, tão amigo quanto algoz; o que determina a natureza que o tempo há de escolher para se apresentar na nossa presença é a maneira como o empregamos. Quanto mais nos esquecemos do tempo e fazemos o que temos de fazer, mais a vida se nos torna doce — ou menos amarga —, e menos sentido faz a máxima de que tempo é dinheiro. Tempo pode ser dinheiro, e o dinheiro compra tudo, excetuando-se o mais importante. Em outras palavras, o tempo pode ser um investimento rentabilíssimo, mas também é possível que o tempo seja só uma forma sutil de se admitir o desgosto da vida. No roteiro de Fran Walsh, Peter Jackson e Philippa Boyens, a mensagem nas entrelinhas diz respeito ao que faremos para reverter o curso suicida que gostosamente tomamos, e pelo que se tem à mesa, estamos dispostos a fazer muito pouco.
O quarteto de roteiristas adapta o livro homônimo do inglês Philip Reeve enaltecendo o caráter destacadamente fantástico da narrativa, sem dar muita importância para detalhes como lógica e respaldo científico. Rivers abre seu filme lembrando-nos de nosso talento para a autodestruição, com menções a uma possível iminente extinção do planeta por civilizações arcaicas. O novo começo se deu num lugar que a humanidade do século 21 até poderia reconhecer como o ambiente em que nasceu, cresceu e viveu seus amores consumados e desilusões, uma vez que lá também é necessário ser mais o forte se se quiser conseguir alimento e combustível. Entretanto, o diretor sobrecarrega o elemento nonsense o quanto pode, até que se alcança o núcleo da distopia até então oculta com a fotografia vibrante em tons destacados de Simon Raby, que ora minimizam o efeito de se pensar sobre a natureza apocalíptica da trama, ora plantam em quem assiste o germe do desespero, justamente por essa serenidade de cristal que acaba por sucumbir ao primeiro toque mais desmedido. Rivers encaminha “Máquinas Mortais” para o centro das discussões que anseia encampar visando a figura de um homem ambivalente, escorregadio e sobretudo determinado, cuja obstinação em concretizar seus delírios de poder levam-no às experiências que ocupam-lhe quinze anos até que, afinal, desenvolve um sistema de energia inédito, com o qual planeja dominar o que ainda resta de vida terrestre no globo, rebatizado de Outlands, as Terras de Fora.
O antagonista Thaddeus Valentine de Hugo Weaving é mesmo o coração do filme, por quem, admitamos ou não, inclinamo-nos a torcer em certas quadras do filme — também devido à falta de carisma dos ditos heróis, incluindo-se aí um pastiche do suspeitíssimo Dalai Lama. “Máquinas Mortais” é um caminho torto para nosso amor de perdição por nós mesmos. E não nos emendamos.
Filme: Máquinas Mortais
Direção: Christian Rivers
Ano: 2018
Gêneros: Ação/Ficção científica
Nota: 8/10