The Idol: assisti à série mais polêmica do momento e já tenho minha opinião sobre ela Divulgação / HBO

The Idol: assisti à série mais polêmica do momento e já tenho minha opinião sobre ela

Se você já está sabendo que a nova série da HBO, “The Idol” é a mais misógina e asquerosa já criada pela produtora e emissora de televisão, então isso significa que os objetivos de seus criadores, Abel Tesfaye (conhecido como The Weeknd), Reza Fahim e Sam Levinson, foram alcançados com sucesso. Com o propósito de causar, a série que foi recebida com estranhamento no Festival de Cannes lançou seu terceiro episódio no último domingo e continua a descer o nível.

Sam Levinson já foi alvo de polêmicas antes, com sua outra série “Euphoria”. Mas se as pessoas já achavam esse programa pesado, espere até elas verem “The Idol”. As características do showrunner, que pegou a direção dos episódios da série de The Weeknd nos 45 do segundo tempo após a primeira diretora, Amy Seimetz, ser dispensada, são claras. Suas séries costumam ser musicais, bastante sexualizadas e com uma fotografia cheia de luzes de LED coloridas, cores saturadas e movimentos vertiginosos, que provocam reações bem emocionais dos espectadores.

O estilo de Levinson dá a sensação de que seu programa é autêntico e descolado. Essa é a desculpa para justificar “The Idol”, que captura essas mesmas qualidades que já vimos no showrunner em “Euphoria”.  Mas os dois primeiros episódios que causaram mal-estar em Cannes nem foram os piores. O terceiro é ainda mais incômodo e, tanto Levinson quanto The Weeknd, adoram que o desconforto gere tantos comentários.

O enredo gira em torno de Jocelyn (Lily-Rose Depp), uma cantora pop que teve um colapso nervoso durante sua última turnê, depois que sua mãe morreu. Determinada a reerguer sua carreira, ela e sua equipe planejam o lançamento de um single bem sexy. As primeiras cenas de Jocelyn já a mostram com roupas que expõem parte de seu mamilo, closes de sua bunda e uma coleção de imagens capturadas que objetificam a protagonista. Durante os ensaios para a coreografia do novo single, ela recebe a notícia de que uma foto sua com sêmen no rosto vazou na internet. Quando a pedem para mostrar os seios durante uma sessão de fotos, seu coordenador de intimidade, uma espécie de assessor que protege a imagem do artista, é trancado dentro de um armário e ridicularizado.

Durante uma ida a uma boate com sua assessora Leia (Rachel Sennott), ela conhece Tedros (The Weeknd), dono do estabelecimento, que logo a seduz com sexo explícito e selvagem e se infiltra em sua casa, carreira e vida com um grupo de amigos talentosos e perturbados. Tedros é como se fosse o líder de uma seita de jovens renegados e traumatizados e Jocelyn é a presa perfeita: rica, famosa, sexy e frágil (emocionalmente e fisicamente).

Ela e Tedros se envolvem em um romance tóxico e sórdido, em que as palavras de elogio dele se misturam com ofensas e ordens. Não demora para que ele mande funcionários de Jocelyn para o olho da rua por ciúmes descabidos, reproduza o novo single dela de acordo com o próprio gosto, mude a forma dela se vestir e tome as rédeas da carreira da garota.

Há cenas extremamente perturbadoras, especialmente se você é uma mulher e já passou por traumas e relacionamentos abusivos. Ela é explorada pelos produtores durante a gravação de seu videoclipe e só pode deixar os sets quando as imagens, coreografias e performances de todos estiverem perfeitas. Quando Jocelyn finaliza o trabalho, ela está literalmente sangrando em várias partes do corpo por conta da roupa e sapato que é obrigada a usar, além de exausta pelo esforço interminável.

É angustiante ver como Tedros vai se infiltrando e minando as relações de Jocelyn, embora dificilmente a gente a veja ter relações saudáveis com qualquer pessoa. Mas Tedros é ainda mais corrosivo que os outros. Todos se aproveitam da vulnerabilidade emocional de Jocelyn para manipulá-la e arrancar dela o que querem, seja dinheiro, fama, sexo, música. A verdade é que todos querem estar perto dela, mas apenas para usá-la.

À princípio, a série parece ser uma crítica à indústria e à forma como a mídia se aproveita para lucrar em cima das desgraças dos artistas. Quando Tedros entra na vida de Jocelyn, o espectador acredita que pode ser uma virada de chave para a protagonista, já que ele a convence de reivindicar o poder e autonomia sobre seu trabalho. Mas é papo furado. Logo ele se torna mais um para dizer a ela o que ela tem de fazer, sugar sua vitalidade como um vampiro e se aproveitar de seus privilégios.

O terceiro episódio é ainda mais desconfortável, porque Jocelyn compartilha com Tedros e seu grupo de seguidores que era abusada pela mãe, que embora a humilhasse como um cachorro, batesse e explorasse, conseguia fazê-la ser musicalmente produtiva. Mas Tedros, ao saber de tudo, se apropria do espaço vago da mãe morta para sentar-se no trono dos abusos. Já que sabe que Jocelyn se torna mais criativa quando é vítima de violência, ele próprio começa a praticá-la contra a jovem. Então, o abuso psicológico se torna também físico.

Assistir “The Idol”, até agora, tem sido como assistir a horas de sessões de tortura sem nada produtivo. Além de tudo, há incontáveis cenas do corpo de Depp, que tem ao lado de The Weeknd uma atuação bastante insossa, sendo exposto. A série atende aos fetiches masculinos pela beleza vazia, a idealização da mulher sexualmente insaciável e fragilidade da garota que “precisa” ser salva. Jocelyn é triste, submissa e sente tesão em ser explorada. Ela aceita a dominação de Tedros sobre seu território como uma criança.

“The Idol” se passa por progressista por fingir dar liberdade sexual à sua protagonista, por simular uma sátira à superexposição e objetificação das celebridades femininas e por aparentar uma crítica à indústria do entretenimento quando na verdade a endossa. A série é um produto de três homens e seus superegos, pouquíssimos preocupados que seu conteúdo possa deflagrar ou incentivar comportamentos e hábitos misóginos  e uma vergonha épica para a HBO, reconhecida por suas obras inteligentes e bem-produzidas.


Série: The Idol
Criadores: Abel Tesfaye (The Weeknd), Sam Levinson e Reza Fahim
Ano: 2023
Gênero: Drama
Nota: 4/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.