O cinema francês tem um estilo único de fazer comédias. É tão simples, orgânico e ingênuo, que é difícil não ser conquistado por uma comédia francesa. A longevidade e experiência desse cinema garantiram que sua indústria fosse uma das mais ricas e primorosas do mundo, e com excelentes argumentos sociais. É histórico como a França é um país politizado e isso se reflete em todas as artes. Mas “Sementes Podres”, embora uma produção francesa que vem embalada com todas essas qualidades, traz um olhar que só poderia ter vindo de um imigrante iraniano, como Kheiron, diretor, roteirista e protagonista deste título.
“Sementes Podres” conta a história de Wael (Kheiron). As cenas de abertura mostram fragmentos da infância do protagonista, uma criança que ficou órfã por conta da guerra que assolou seu país, no Oriente Médio. Ele se torna um menino de rua que pratica pequenos delitos e é acolhido por Monique (Catherine Deneuve), uma freira destituída que o leva para a França. Juntos, eles vivem de golpes e, um dia, quando Wael já é um homem entre 30 e 40 anos, eles são flagrados por Victor (André Dussollier), um antigo amigo de Monique, que ameaça os denunciar à polícia. Em troca de não prestar queixa, Victor diz que Wael deve ser tutor em sua organização que busca ajudar adolescentes problemáticos e socialmente vulneráveis.
Embora Wael resista, à princípio, ele vê na situação uma oportunidade de treinar esses jovens para aplicar pequenos golpes pela cidade. No entanto, conforme os ensina a arte da malandragem, as histórias de cada adolescente também o ajudam a aprender valiosas lições e encontrar seu próprio caminho na vida.
Ao contrário da saga do professor-herói, que já tivemos a oportunidade de ver em vários filmes, aqui temos um anti-herói. As maiores lições são aprendidas por ele, na realidade, que tem sua vida transformada por aquele grupo de adolescentes periféricos e marginalizados. Embora seja previsível, o longa-metragem aborda de maneira inteligente, sensível e perspicaz temas delicados, como a segregação racial e a vulnerabilidade social dos jovens de origem árabe, abuso sexual e a colonização francesa sobre nações islâmicas.
Usar o humor para costurar críticas sociais e políticas tem se provado uma especialidade de Kheiron, claro, alimentada por sua própria vivência como refugiado islâmico. Antes de “Sementes Podres, ele havia estreado no longa-metragem “Nós ou Nada em Paris”, de 2015, uma dramédia sobre a fuga dele com seus pais do Irã para a França. Pelo filme, ele foi indicado ao César, uma das premiações mais relevantes do cinema mundial.
Apesar de abordar o tema delicado dos refugiados em seus filmes, Kheiron nega que é um ativista da causa. Ele se define como um “charlatão”, o que não é verdade. Por mais despretensioso que seja em tentar politizar as pessoas, suas histórias têm muito mais efeitos em conscientizar da realidade dos exilados que muitos discursos da Organização das Nações Unidas, que mais parecem receitas de bolos que ficam abatumados, não crescem e ainda dão dor de barriga. Não alimentam o mundo com real empatia e conhecimento.
Kheiron acredita que a verdadeira história do mundo é um drama, conforme já expressou em entrevistas, e que o humor são os pequenos momentos de felicidade quando o infortúnio decide fazer uma pausa. A comédia é como um bálsamo curando as dores do mundo.
Filme: Sementes Podres
Direção: Kheiron
Ano: 2018
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 8/10