Romance subestimado e encantador, na Netflix, mostra as dores e delícias do amor à primeira vista Divulgação / IFC Films

Romance subestimado e encantador, na Netflix, mostra as dores e delícias do amor à primeira vista

A premissa de histórias como “Segunda-Feira” capturam logo o interesse do espectador por razões óbvias. Seres humanos podemos ser classificados em dois grupos, vastos, imperscrutáveis, por mais que se tenha toda a vontade e todas as ferramentas para se tentar alcançar sua essência, e antagônicos entre si: aqueles que conseguem, no mais das vezes, desfrutar de relações serenas, quase monótonas e previsíveis, que tendem a se consolidar também por isso, e os que, pelo contrário, padecem de um anseio frequente por atitudes, respostas e palavras que obedeçam ao que delas espera a lógica, qualquer lógica. O ideal, como todo mundo pode dizer — inclusive quem nunca se apaixonou, e nem pretende — seria misturar os dois, exatamente como numa receita, ficando para o destino precisar até onde pode durar esse banquete. O grande impasse nisso tudo é que receitas, por mais aplicados que sejam os cozinheiros, também desandam — especialmente se um aprecia muito certos ingredientes e o outro não os tolera. Ou se come apenas por educação, cercando-se de toda a prudência para que ninguém perceba, ou haverá sempre, cada vez mais assombroso, o espectro da separação a pairar sobre os dois. Nas duas hipóteses, a frustração é a única garantia.

No filme do grego Argyris Papadimitropoulos, dois americanos em busca de um lugar onde sintam-se outra vez donos de suas próprias identidades se encontram, porém o que deveria ser a melhor surpresa de suas vidas vai se revelando um tormento muito particular. Papadimitropoulos, junto com Rob Hayes, reserva para Mickey e Chloe, os antimocinhos de Sebastian Stan e Denise Gough, desencontros ainda mais embaraçosos dos que soem acometer quem ousa entregar-se à paixão, sem nunca deixar de ter por perspectiva, ainda que bastante diluída em meio ao conflito amoroso, a ideia da necessidade do porto seguro, da terra para a qual se pode regressar quando não há mais nenhuma saída imediata no horizonte. Na introdução, se vê Chloe falando com um homem que parece seu namorado no caos da pista de dança de uma boate lotada; o diretor não demora a esclarecer que ela e Christos, o ex-marido, de Andreas Konstantinou, romperam — mas só se detém sobre os motivos da separação muito tempo depois. Nesse primeiro momento, acelerado, confuso, Gough já imprime à personagem o ar de completa inadequação, que cede temporariamente com o cerco de Mickey, o DJ, que instado por Argyris, o melhor amigo, abandona o mixer e os toca-discos e vai ao encontro dela. Embora relegada aos lances em que Papadimitropoulos não sabe mais de que outra situação absurda lançar mão para manter a narrativa fresca, sem permitir que “Segunda-Feira” gire em torno de seu próprio eixo ao longo de quase duas horas expondo as dores e as delícias do antirromance de Mickey e Chloe — o que fatalmente acontece —, a participação de Giorgos Pyrpassopoulos sem dúvida é um dos pontos altos do filme. Enquanto isso, os protagonistas vão se conhecendo, e à medida que ficam mais próximos, o público sente o desespero de Chloe, que se encanta por Mickey rápido demais, malgrado nunca consiga fazer vista grossa a sua imaturidade, a sua aversão inconsciente a compromisso, a seu vício em fracasso, como o define Bastian, de Dominique Tipper, em situação igual à de Pyrpassopoulos.

Inserções com os dias da semana em letras garrafais brancas vão situando a audiência quanto a passagem do tempo, e a única alegação que se pode cravar com certeza sobre Mickey e Chloe é que tudo entre eles acontece muito depressa, é intenso, mas de uma intensidade que não se sustenta e anuncia o desastre a cada novo anticlímax. Papadimitropoulos é competente em abusar de sequências em que seus protagonistas fazem um sexo a um só tempo afetuoso, truculento e, o principal, inconsequente, deixando à mostra toda a beleza de Stan e Gough, sempre muito bem fotografados por Christos Karamanis. “Segunda-Feira” termina antes do caso deles, e não deixa de ser um alento pensar que algum milagre possa ter acontecido depois de um fim de semana catastrófico. Fica-se torcendo por eles, apesar de tudo.


Filme: Segunda-Feira
Direção: Argyris Papadimitropoulos
Ano: 2020
Gênero: Drama/Romance
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.