Li “Suicídios Exemplares”, de Enrique Vila-Matas, e gostei. Na verdade, acredito que, também por este livro, Vila-Matas deveria receber o Nobel de Literatura. Enrique Vila-Matas é escritor de escritores. Sua obra analisa a literatura mundial e seus representantes ao longo da História. E não se limita aos autores europeus, suas influências, contemporâneos ou conterrâneos. Ele investiga países discretos. É um especialista em Bolaño e Borges e conhece bem as letras das América Latina. Especialista em romances que estudam características peculiares que definem escritores, num estilo documentário que elenca os produtores de literatura à exaustão, chega a citar centenas de autores em um único livro, Vila-Matas arriscou-se menos no conto. Quando o fez, não foi menos que formidável.
Em “Suicídios Exemplares”, o tema óbvio discorre sobre personagens singulares que, de maneira nada convencional, decidem tirar a própria vida. A elaboração das situações e os motivos tornam a narrativa envolvente, pois em cada conto, o inusitado, o insólito, o inacreditável, combinam elementos para determinar que tirar a vida faz sentido e isso só pode ser feito com significado e elegância. A morte, para além da literatura, deve deixar um registro, uma marca indelével.
Em “As Noites da Íris Negra”, um futebolista decadente conhece uma bonaerense com uma doença terminal cujo pai Catalão abandonou a família para retornar à sua vila natal, Port del Vent. Juntos eles viajam para o local e investigam o antigo cemitério em busca do túmulo do pai desaparecido. O conto é um belo exemplar do estilo literário borgiano, elaborado com elementos de literatura noir clássica. Durante a visita ao cemitério, o inusitado acontece. Entre os túmulos e o desfile de epigrafes marcantes um mistério começa a se revelar. Os elementos sombrios, uma lápide pária de um morto que é enterrado do lado de fora do cemitério, compõem o registro de um suicídio exemplar. Incomum, o túmulo é de um desonrado, de um pecador, que carrega a marca do pecado supremo, “o ateu do povoado”, personagem que Vila-Matas explora com lirismo: “O padre se negou a enterrá-lo no campo-santo, e aí está ele, feliz na liberdade do campo aberto”.
Em “A Arte de Desaparecer”, Anatol é um professor de língua e educação física que vive com “uma recusa total do sentimento de protagonismo”. É um homem cuja busca é obscura, escreve uma literatura extremamente pessoal e íntima que julga não servir para mais ninguém do que a si próprio. Anatol parece possuir uma opinião análoga a do escritor Dalton Trevisan: “o importante não é o autor, é a obra”. É nesse sentido, com ideia arquitetada na busca do completo desaparecimento, que Anatol torna-se um suicida exemplar.
Os outros contos são exímios expoentes da ideia do desaparecimento voluntário. Pois as personagens sabem: “O que torna a vida suportável é a ideia de que podemos escolher quando abandoná-la”. Com cada palavra no lugar e cada personagem com um propósito, Vila-Matas tece sua teia mínima, artística, nesses contos fabulosos, que são, todos, exemplares.
Livro: Suicídios Exemplares
Autor: Enrique Vila-Matas
Tradução: Carla Branco
Páginas: 208 páginas
Editora: Cosac & Naify