Como todos os sentimentos de que o homem desfruta e contra os quais flagra-se numa batalha encarniçada, tentando se libertar e cada vez mais enredando-se em seus fios, feito a mosca na teia da aranha, o amor tem predicados e defeitos de que se gosta ou se desgosta em maior ou menor proporção, despertando assim reações as mais imprevisíveis a depender de quem atinja. Nesse sentido, “P.S. Eu Te Amo” é uma verdadeira tese sobre quantas podem ser as apreensões a respeito da vivência da mais humana das emoções, e Richard LaGravenese consegue furar a bolha de situações quase protocolares de filmes semelhantes, como se seguissem uma receita a que ninguém jamais teve acesso, e dá corpo a uma narrativa mais que romântica, melosa até, mas coerente. Flertando desabridamente com temas delicados, indigestos, o diretor é competente em fazer seus personagens balançar entre como se espera que ajam e as reações que alguém de fato teria se confrontado com circunstâncias as mais duras na vida. Aos poucos, se nota que esta não é uma história de amor qualquer.
Ninguém em sã consciência é capaz de negar o impacto que comédias românticas bem escritas têm sobre o público — sobretudo o feminino — e, no caso do roteiro de LaGravenese e Steven Rogers, baseado no romance homônimo da escritora irlandesa Cecelia Ahern, cada elemento parece em seu lugar exato e cada ator sabe muito bem o que faz ali. Uma abertura um tanto prolixa situa o espectador no cenário tumultuoso do Brooklyn, no extremo oeste de Nova York. À primeira vista, a pele bem tratada e os sorrisos perfeitos de Hilary Swank e Gerard Butler não convencem muito como um casal, e muito menos um casal empobrecido, mas aos poucos a direção de arte de Doug Huszti deixa claro que Holly e Gerry padecem de um caos que se reflete no grande desencontro de sua convivência. O diretor-roteirista e seu colaborador enchem a cena com um diálogo muito bem posto por Swank e Butler e o espectador mais atento certamente percebe que a suposta falta de dinheiro — eles não moram muito bem, mas Holly tem um guarda-roupa coalhado de Pradas e Guccis, que diz ter adquirido de segunda mão — é apenas a ponta do iceberg que pode fazer o transatlântico naufragar num descuido qualquer, para ficar numa metáfora bastante cinematográfica. O dinheiro define a forma como os casais vivem e relacionam-se entre si, sem dúvida; contudo, o descompasso maior entre os protagonistas é de outra natureza, muito mais profunda e inefável, e LaGravenese passa a refinar seu filme sob este parâmetro, até que o gancho para o argumento central esteja, afinal, maduro.
Mesmo casada, Holly fora sempre muito só — e também mal-acompanhada — e quando se vê sem Gerry é que tem uma pálida e breve noção do quão perdida estivera. No segundo ato, personagens como Patricia, a mãe admiravelmente sensata de Kathy Bates, e o núcleo composto por Barbara, Ciara e Denise, as melhores amigas interpretadas por Sherie Rene Scott, Nellie McKay e Lisa Kudrow, vão dando novas dimensões a um tipo que parecia fadado à caricatura, e Swank mostra-se visivelmente renovada à medida que a protagonista é forçada a reencontrar-se, reinventar-se. Visando a também capturar o interesse do público masculino, o filme envereda pelas possíveis novas experiências amorosas — ou o seja lá qual seja o conceito que Holly tenha de amor — amparando-se nos desempenhos muito acima da média de atores homens em produções congêneres, aqui representados por Jeffrey Dean Morgan e Harry Connick Jr. como William e Daniel, respectivamente, excelentes por igual.
“P.S. Eu Te Amo” se assemelha a uma mistura de “Ghost — Do Outro Lado da Vida” (1990), dirigido por Jerry Zucker, com um fantasminha tão camarada quanto o interpretado por Patrick Swayze (1952-2009), todavia muito mais envolvente, e “Harry e Sally — Feitos Um para o Outro” (1989), levado à tela por Rob Reiner, mas com uma só neurótica. Já não se fazem mais histórias de amor — ou mesmo amores — como antigamente.
Filme: P.S. Eu Te Amo
Direção: Richard LaGravenese
Ano: 2007
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 9/10
