Previsível, mas subestimado, história sobre amor e loucura na Netflix vai te causar reações extremas Alex Lombardi / Netflix

Previsível, mas subestimado, história sobre amor e loucura na Netflix vai te causar reações extremas

Habitam no mais fundo de cada um os monstros pequenos e grandes de que estamos sempre a fugir e que sempre terminam por nos encontrar, mormente quando pensávamos já tê-los sob controle. Desde o momento primeiro em que vê a luz do mundo, o homem já os confronta, batendo-se em guerras não raro cruentas no delirante intuito de provar-se livre das amarras de seu próprio subconsciente; todavia, perdido no abismo de fantasias que ele mesmo cava, encarcerado no universo paralelo e mágico, santo e diabólico em que responde apenas ao que julga conveniente, o gênero humano agarra-se ao que deveria ser restar guardado, longe de tudo, mais e mais absorto pela bruma da insânia que extravasa para o plano físico. Peter Sullivan trata das psicopatias, dos males da alma, que se impõem sobre a vida de alguém e corrompem tudo, até que não sobre nada mais que as cinzas da morte. Indo por caminhos insuspeitos até cair no cenário eminentemente patológico que quer exaltar, “Obsessão Secreta” é uma alegoria precisa sobre emoções impalpáveis.

Sullivan vale-se de todos os chavões que pode a fim de envolver o público na atmosfera de tensão e inconstância do roteiro, escrito com Kraig Wenman. Na lenta abertura, em que uma mulher se desespera tentando completar a ligação numa cabine telefônica que mais parece uma cripta dos filmes de vampiro de priscas eras — se ainda estiver alguma em bom estado de conservação, decerto não haverá quem delas necessite —, remonta também aos enquadramentos milimetricamente calculados de Hitchcock, o que, por seu turno, catapulta o espectador para a fotografia de Eitan Almagor, que os submete a um filtro verde musgo que torna a cena ainda mais sombria. O diretor fortalece seu jogo sensorial, mostrando essa mulher no carro, tentando arrancar, mas detida num atoleiro. Pano rápido e a câmera corta para o corredor do hospital White Oaks, momento em que Sullivan apresenta essa personagem. Jennifer, a mocinha trágica de Brenda Song, sofrera um acidente misterioso e agora se esforça por recobrar a memória depois de uma hemorragia cerebral.

Visivelmente instintiva, Song capta à perfeição as novas angústias de Jennifer, incorporando sem dificuldade alguma essa mulher mais do que nunca dependente da bondade de estranhos, à mercê do que os outros lhe dizem sobre como vivera até que fosse colhida pela tragédia. É dessa carência de tudo, dessa falta de convicções acerca de todas as coisas, inclusive de si mesma, que o personagem de Mark Vogel se alimenta. Russell, um tipo aparentemente acima do bem e do mal, anuncia-se como marido da garota, e quem já assistiu a algumas centenas de thrillers como “Obsessão Secreta” logo percebe quais serão os próximos movimentos, especialmente com o cerco de Frank Page, o abnegado detetive de Dennis Haysbert numa performance pautada pelo carisma. Desse ponto em diante, a boa experiência para com o que Sullivan expõe depende um tanto mais de registros desabridamente sentimentais da audiência, mesmo porque o que poderia ser a maior reviravolta do enredo também é dada por um lugar-comum que qualquer telenovela brasileira faz melhor.


Filme: Obsessão Secreta
Direção: Peter Sullivan
Ano: 2019
Gêneros: Mistério/Suspense
Nota: 7/10