A mulher não nasceu para ser mãe, mas para ser o que ela quiser

A mulher não nasceu para ser mãe, mas para ser o que ela quiser

Minha sobrinha de 5 anos colocou a mão na minha barriga e disse: “tem nenê aqui?”. Levei um baita susto. Minha primeira preocupação foi se estava gorda: teria abusado da cerveja? Depois fiquei pensando se tinha pulado alguma pílula do anticoncepcional. Enquanto procurava um espelho para olhar o meu abdome de perfil, percebi que a menina aguardava, ansiosamente, por uma resposta.

Minha sobrinha tinha ganhado uma boneca que era a imitação perfeita de um bebê: chorava, mamava e fazia xixi. Quando eu era criança e até muitos anos mais tarde, tinha certeza de que teria o meu nenê — até opções de nomes eu já sabia. Enquanto minha sobrinha e eu embalávamos o sono da boneca, tudo aquilo que vivi no passado em relação à questão da maternidade voltou numa enxurrada de lembranças.

Alguns anos atrás, eu estava completamente perdida. Sentia-me cobrada o tempo todo, seja pela minha idade que se aproximava dos 40, seja pelas pessoas que me perguntavam se eu tinha filhos. Para piorar minha ansiedade, não paravam de nascer bebês ao meu redor. Virei tia dos filhos dos meus irmãos, dos filhos dos meus primos e dos filhos das minhas amigas.

O tema era tão presente na minha vida que escrevi sobre ele aqui na Bula. No texto em questão, disse que a maternidade deveria ser uma escolha, e não imposição. Na minha tese, nem toda mulher deseja ser mãe, como nem toda mãe queria mesmo ter tido um filho.

É normal ouvir de uma mulher mais jovem que ela não sabe se terá filhos, pois ainda há muito tempo para se decidir. Mas, cada vez mais, ouço, em meu consultório, mulheres jovens afirmarem, categoricamente, que não serão mães. Antes, o que parecia uma decisão somente de mulheres mais maduras, está deixando de ser um tabu: não é mais obrigação gerar outra vida.

Vivemos a primeira revolução causada pela pílula anticoncepcional: tornamo-nos independentes a partir do momento em que pudemos adiar a maternidade para conciliá-la com a estabilidade profissional. Agora vivemos outra revolução que nasceu da independência feminina: podemos escolher viver ou não a maternidade.

Mas nem sempre foi fácil assumir tal escolha. Conheço muitas mulheres, principalmente da minha geração, que tiveram dificuldade para encontrarem suas próprias respostas. Parecia que abdicar de ter um filho era caminhar na contramão do percurso natural da vida. Comigo foi assim: sentia-me culpada por não ter certeza se queria ter um filho, era como se estivesse desperdiçando uma coisa boa.

E talvez eu estivesse mesmo. Não duvido nada que o amor incondicional por um filho seja a sensação mais pura que existe. Vejo isso em muitas mães que conheço. A relação delas com seus filhos mostrou-se especial desde o feto crescendo no útero. É uma ligação realmente bonita de se ver.

Eu amo crianças. Então, como poderia descobrir se queria gerar outra vida? Fiz terapia. Consultei médicos de fertilidade. Conversei com pessoas que têm filhos. Ouvi de tudo: “congele seus óvulos”, “faça uma produção independente com esperma doado”, “adote uma criança”, “você vai se arrepender se não engravidar”, “você será uma mãe maravilhosa”, “você vai envelhecer sozinha”.

Dia desses, conversei com uma amiga de 38 anos que ainda não tem certeza se deseja ter filhos. Ela sempre achou que engravidaria, mas o tempo foi passando e ela mesma foi mudando. Hoje tem um emprego estável que conquistou com muita dedicação e estudo; tem sua casa, seu carro e seu cachorro; viaja frequentemente e tem muita liberdade. “Se eu tiver um filho agora, tudo bem. Mas, também, não fará falta se não o tiver”, diz.

Tenho outra amiga, um pouco mais nova que a anterior, que me contou ter sido uma criança que adorava brincar de bonecas, do mesmo jeito que eu estava brincando com minha sobrinha. Ainda assim, ela nunca se imaginou grávida: “Desde adolescente eu sabia que não seria mãe”, me disse.

Beijei a minha sobrinha. Ela é, junto aos meus outros três sobrinhos, um dos maiores amores da minha vida; e lhe disse que não tinha bebê na minha barriga. Voltamos à nossa brincadeira e nos divertimos bastante.

É isso: a vida é uma sucessão de escolhas. Escolhas precoces, escolhas pensadas. Se certas ou erradas? Difícil saber sempre. Mas são as escolhas que fazemos que nos moldam: por isso somos únicas. E, no caminho que percorremos, algumas vezes mudamos os nossos planos e reformulamos os nossos sonhos; para, então, viver em plenitude o nosso destino.