Confesse: ser mãe, às vezes, é muito chato!

Confesse: ser mãe, às vezes, é muito chato!

Sou mãe. Encontro respostas sem saber de onde tiro. Luto com todas as garras para que minha filha vença suas primeiras batalhas. Não há cansaço maior que a necessidade do meu bebê. É impressionante como um ser, ainda miúdo, desperta uma gama de habilidades inéditas em nós. Um lado bicho que acorda durante a geração da cria. E, de tão potente, pode provocar também o (re) nascimento da mãe. Oportunidade valiosíssima para o alargamento da existência. E, paradoxalmente, muito opressora. Culpa da romantização da maternidade.

Para começo de conversa a concepção é, fisicamente, uma invasão. Ocorre imediatamente à fecundação, quando o organismo reage como se aquele amontoadinho de células fosse invasor. Isso mesmo! Antes de ser reconhecido como feto, o filho é percebido pelo corpo como ameaça biológica. Porém, rapidamente, a informação é corrigida num disse-que-me-disse fisiológico. Daí os órgãos começam a se ajeitar para acomodar o visitante. Isso mostra que estresse e a adaptação são inerentes à geração de um novo ser. Orgânica e emocionalmente. Leva tempo. Isso nada tem a ver com rejeição. Mas, fatos que maculam a ideia de supremacia das mães são evitados. E, se visto de perto, esse comportamento mais denuncia que esconde.

Você já parou para a pensar por que muitos insistem na crença de a mulher já nasce mãe? Para mim, é justificativa social para responsabilizar menos os homens. O lance é que, além de não ser verdade, angustia aquelas que fantasiam excelência.  Não é o gênero. Ninguém está verdadeiramente preparado para a tarefa. Creio que a intuição feminina e as brincadeiras de boneca nos dão frente em relação aos pais. Só isso. Não saber tudo é bom pois permite que a família cresça junto. A maior beleza da relação entre pais e filhos é a descoberta. De si, do outro e, do novo nós.  No dia a dia. De acordo com cada história. O problema é que tentam entuchar em nós um manual do comportamento materno. E o “padecer no paraíso” converte-se em atestado de boas práticas. Isso é muito chato! Cruel e inaceitável essa idolatria ao sofrimento da mãe como rito de passagem. Detestável a exigência de silêncio quando estamos insatisfeitas ou sofrendo. Para os mais desavisados, um alerta: mães não são a encarnação da virgem Maria. E tem o direito de manifestar suas imperfeições. Não digo para provarem as insanidades ao estilo Nazaré Tedesco. Apenas exercer ser inteira como humana para não ser mãe pelas metades.

Dependendo do entorno afetivo isso vira um imbróglio. Não bastassem as diferenças entre gerações e famílias. As pressões silenciosas ou explícitas minam a desenvoltura da mãe. Desde o começo. Acompanhei o relato de muitas grávidas que reclamavam, nas entrelinhas, sobre a exigência de satisfação, plenitude, brilho nos olhos e viço o cabelo. Eu não conseguia sorrir com o esôfago em chamas pelo refluxo. Passei os três primeiros meses mal-humorada e triste. Tive sorte porque minha família cuidou de minhas chatices. Mas é pesada a bagagem de autocensura da mulher. Cada uma vai se resolvendo como pode. Por isso, discordo de que “mãe é tudo igual, só muda de endereço”. É verdade que temos em comum a marca da culpa. Agora mesmo, ao escrever esse texto, fico pensando se o tema não traumatizará minha filha no futuro. Pode? Sofremos por desejar algo além do filho. Mesmo que ele ainda seja o centro. Por almejar o mundo de individualidades. Por ter limites. Por provar ser outras. Por querer ser mãe sem filho. E, especialmente, sofremos ao reconhecer fastio na abnegação de si. Mesmo em nome do maior amor do mundo. Por isso, caímos no conto da mãe modelo e, sem perceber, reproduzimos pensamentos culturais sacanas.

Outro complicador é o mercado invasivo que vende o espetáculo do nascimento. Desde roupinhas com preço de carro popular, passando por festinha para revelar o sexo do bebê culminando em pacotes de cobertura completa do parto com direito à luz, câmera e ação! Isso sem falar nos cursos e mais cursos que ensinam um tudo que é quase nada do necessário. O próprio conceito do parto humanizado é vendido. Tem que ser parto normal. Tem que ter banheira com luz azul, tem que ser em casa, tem que contratar doulas para acompanhar a mãe. De outro lado, grupos comercializam o “tem que ser cesárea”, “É mais confortável e seguro”, “Vai garantir o signo do neném”. Uma chatice vazia escolhida por uma classe média perdida. Nada tenho a ver com o modo de parição alheio. Mas é fato que dedicar-se exclusivamente ao born-show toma o precioso tempo de preparo íntimo dos pais. E, ainda, pode colocar em risco a vida dos bebês. Tanto que em 2016  foi necessário que o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicasse uma resolução garantindo à mulher a escolha do tipo de parto mas, em contrapartida, exigindo que ela se responsabilize por isso.

O pós-parto é um tabu. Nenhum ser humano, honesto, vai dizer que é um período mágico. Portanto, pouco se fala sobre o período. Depois de dar à luz, a maioria das mulheres apenas sobrevive. Fraqueza, dor e muito medo ao levantar. E levantar. Porque parece que não se deita. Corredores escuros são, por vezes, os únicos que acolhem respeitosamente o choro delas. Todos têm soluções para a mãe melhorar. Não sabem que o que ela deseja mesmo é só um colo para chorar. Como um bebê. São muitos os partos do puerpério. Parir uma nova mulher é um processo solitário mantido em sigilo por gerações oprimidas/opressoras. Muitas vezes, repetidos inconscientemente por avós, tias, primas, irmãs e amigas. Nessas, quem se dá ao direito de falar sobre isso emudece as visitas. A verdade é que toda parida prova, ao menos por flashes inconscientes, a incoerência do desejo de tudo prover ao filho e a vontade de fugir.  Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do ano passado revelou que uma em cada quatro brasileiras apresenta sintomas de depressão pós-parto. Para mim, esse hiato entre o que se espera e o que é realmente ser mãe adoece ainda mais as mulheres. Portanto defendo que é preciso discutir o assunto. E, para isso, através da força da voz coletiva.

Se, por um lado, o papel da mãe é romantizado, o do pai, ignorado. O homem fica esquecido e também sofre. Sentimento de abandono. Ansiedade por ser pai. Estranheza. Agora está casado com uma outra mulher. É cobrado a sustentar todas as faltas. Homens aprendem a ouvir pouco a sua voz interna e, por isso, tem menos habilidade em improvisar. Ficam à deriva no começo. É marcante o olhar perdido deles suplicando direcionamento. Esperando calados a chance de participar. A ideia a suposta sabedoria materna nata, às vezes, contagia a mãe. Muitas passam monopolizar os cuidados com o filho. E, depois reclamam que fazem tudo, exercendo plenamente seu papel de padecer no paraíso. Por outro lado, a objetividade masculina é aviltante ao feminino imerso no descontrole hormonal. A maioria deles nem se dá conta disso. Tenho dó dos pais. Eles encontram o seu modo de fazer no sopapo e no exílio. É, também na dor, garantem o seu espaço afetivo. Infelizmente, há aqueles que não estão nem aí. Para tal, há a conversa, a polícia ou a justiça para fazê-los entender que são igualmente responsáveis pelo filho. Portanto, devem dividir contas, tarefas e atenção. Não apenas ajudar nisso.

Todo esse equívoco cultural interfere na qualidade de vida dos pais e, consequentemente, na criação dos filhos. Visto que são graves as consequências da romantização da maternidade, conclamo a todas as mães a profanar. Rejeitemos o “padecer no paraíso”. Mostremos que somos diversas. Uma das outras. Dentro de nós. Exijamos o direito de não saber. Sejamos imperfeitas, quebráveis, humanas. Confessemos, a nós mesmas e ao mundo: ser mãe, às vezes, é um saco! Quem sabe, nessa defesa do valor da incompletude, sejamos mais inteiras na tarefa de educar? Acredito ser esse o legado mais importante a perpetuar para gerações futuras.