Deus abençoe a treta

Deus abençoe a treta

Deus abençoe a treta, o tetra! o tetra! o tetra!, aquele grito de Go! (Allegro ma non troppo) preso na garganta do misantropo, a trepada homérica no salão oval do palácio. Deus abençoe o ócio, os negócios dos beócios, o IDH do queijo suíço, o sumiço da grana do erário, a usina siderúrgica do ferro e do aço que entope os rios com metal pesado. Deus nos guie e nos leve com a robustez misericordiosa do seu cajado, e que ele continue abençoando os homens de consciência tranquila que tomam porres fenomenais com tequila em puteiros recheados de menores-de-idade com flores nos cabelos, que fazem amor, não fazem guerra, com os pais de família, mais conhecida como “a célula mater da sociedade”. Deus abençoe o câncer da corrupção, pois ele vai deixar saudades. Deus abençoe a verdade, desde que ela nos liberte, mesmo com o adjutório indolente de uma matilha de advogados rosnando habeas corpus. Deus abençoe o cadáver do indigente, o revólver na cintura da gente, a reforma do Estatuto do Desalmamento, um pobre ateu que escreve, solitário, desencantado, porém, com ares de liberdade. Deus abençoe o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o poder do quadril claudicante da amante perdulária que joga balangandãs de um lado para o outro. Deus abençoe a outra para que ela se mantenha para sempre limpa, cheirosa, discreta e fiel às infidelidades mais primárias, como pagar boquetes com verbas suplementares de gabinete. Deus abençoe os policiais que descem o cacete em manifestantes, o crime organizado, a organização impecável dos jogos olímpicos no Brasil que nos rendeu elefantes brancos que pisoteiam os corações de cristal. Deus abençoe as bancadas ruralista, evangélica e da bala. Deus abençoe a bela primeira dama que rebola-e-fode gostosinho nos aposentos presidenciais. Deus abençoe a previdência social, a providência divina, ou seja, Deus abençoe a si mesmo para que continue nos abençoando até que a morte nos una. Deus abençoe os médicos, os paramédicos, os parapeitos de mármore e peitões de silicone das enfermeiras do Einstein e do Sírio Libanês, instituições de altíssimo nível que aumentam a sobrevida de políticos infartados ou corroídos por tumores abnegados. Deus abençoe as filas do SUS, os falos sifilíticos que vergam mas não quebram, as macas nos corredores, os indultos de natal, os adúlteros de carnaval, as delações premiadas, o jogo do bicho, as queimas de arquivo, as queimas de rosca nos xilindrós da vida, a cusparada no cu, os encontros íntimos, a intimidade com a solidão, o sarcasmo, a ironia, a injustiça explícita que assola e desencanta, o salve-se quem puder.