Obcecado por Tônia Carrero, Rubem Braga ameaçou se jogar no mar

Obcecado por Tônia Carrero, Rubem Braga ameaçou se jogar no mar

Na biografia, “Rubem Braga — Um Cigano Fazendeiro do Ar”, o jornalista Marco Antônio de Carvalho revela a extraordinária história da paixão desmedida de Rubem Braga pela atriz Tônia Carrero, que morreu no sábado, 3 de março

Em 1947, enviado a Paris como correspondente de “O Globo”, Rubem, com a mulher, Zora, e os amigos Carlos Reverbel e a mulher deste, Olga, mora no apartamento onde morreu Marcel Proust. Em Paris, encontra-se com Tônia Carrero, que ainda não tinha fama alguma e era casada com o desenhista Carlos Thiré. Este “não a levava a sério como atriz”. Rubem avaliava que “o maior talento da amiga era antes de tudo estético: a beleza”.

Mariínha, como Tônia era conhecida, cantava fados tropicais e, sobretudo, encantava a plateia de amigos, como Aníbal Machado, Rubem e Vinicius de Morais. Nos passeios pelas ruas de Paris, Rubem elogiava a beleza de Tônia, fazia graça — “tenho muita amizade pelo seu joelho esquerdo” — e, aos poucos, ia conquistando a futura atriz. O marido implicou e disse que não queria ela saísse mais com o jornalista e escritor. Tônia chorou “copiosamente”. Irritado, Thiré perguntou: “Ele é tão importante assim?” Conta Marco Carvalho: “Solitária, triste, sem ter o que fazer em Paris, Mariínha [ou Maricota, como a chamava Rubem] passou a sair ainda mais com Braga, este sempre atento a um novo corte de cabelo, uma nova fivela, uma cor rosada na face. E, certa vez, subindo as escadas de Saint-Germain, descobriu que não queria mais permanecer casada”. Mulher tem mais olho para o detalhe do que homem. Rubem tinha um olhar feminino, digamos, mas com segundas intenções.

Decidida a abandonar Thiré, Tônia passou a se encontrar com Rubem “num hotelzinho, em um velho casarão discreto. (…) Um dia a concierge chamou-o a um canto: ‘Não perca nunca essa mulher. Ela é bonita demais'”.

Tônia Carrero
Tônia Carrero, década de 1950

Como Rubem era mulherengo e casado, Tônia decidiu romper: “Acho que nosso caso tem que acabar”. O escritor ameaçou matar-se sob as rodas dos automóveis de Paris. Optou por segui-la, acompanhando-a no navio de volta ao Brasil. Insistiu no reatamento, mas Tônia jogou duro. “Vou me jogar no mar!”, gritou Rubem. No Rio de Janeiro, Rubem não saía do pé de Tônia. “Ele era um Maria-vai-com-as-outras: queria companhia de mulher bonita, mas não era de casar com nenhuma. Como Vinicius, vivia apaixonado, mas, ao contrário deste, não gostava de se casar e de conviver.

Se Rubem quisesse, eu me casaria com ele. Mas ele nunca quis”, garante Tônia. O biógrafo, elegante, não chama Rubem de idiota. O escritor certamente tinha medo de ganhar chifres do segundo mais belo animal do mundo — o primeiro, segundo Jean Cocteau, era Ava Gardner. Rubem adorava cantar as mulheres dos amigos. Estranhamente, Tônia ressalva: “O grande amor de Rubem foi Bluma Wainer”. Rubem teve um caso com Bluma, pondo chifres no jornalista e empresário Samuel Wainer, seu amigo e, depois, inimigo, mas, quando a garota engravidou, o cronista fugiu para o Rio Grande do Sul.

Tônia rompeu a promessa de que não reataria com Rubem. Voltaram a se encontrar numa garçonnière do Leblon, do jornalista e crítico literário Franklin de Oliveira. “Ali se encontraram algumas vezes, sem que ela se sentisse plena, segura e feliz com o caso que se reiniciava. Tanto que propôs a Rubem que parassem de se encontrar, que voltassem a ser os amigos de sempre. Ele não aceitou: ‘Venha mais uma vez. Só mais uma vez’. E Tônia, novamente, cedeu. O milagre, então, aconteceu e, dessa vez, ela voltou para casa sabendo que aquele amor, ou fosse lá o nome que fosse, era sério e que estava enredada.” Mas, logo depois, caiu fora.

Apaixonado, Rubem produziu seu Soneto:

E quando nós saimos era a Lua,
era o vento caído e o mar sereno,
azul e cinza azul anoitecendo
a tarde ruiva das amendoeiras.

E respiramos, livres das ardências
do sol, que nos levara à sombra cauta,
tangidos pelo canto das cigarras
dentro e fora de nós exasperadas.

Andamos em silencio pela praia.
nos corpos leves e levados ia
o sentimento do prazer cumprido.

Se magoa me ficou na despedida,
não fez mal que ficasse, nem doesse:
era bem doce, perto das antigas

Mesmo casado, Rubem “exercia uma marcação individual e por zona, e exigia que os amigos avisassem assim que vissem Tônia solta ou assediada em algum bar ou restaurante: ‘Era como um cão de guarda, possessivo e ciumento'”. Um dia, Tônia encantou-se pelo pintor platino-baiano Carybé e levou-o para sua casa. “Mas Tônia mal chegou a mostrar duas ou três belezas, enquanto bebericavam alguma coisa, quando ouviram batidas insistentes e nervosas na porta. Era Rubem. Silencioso e transtornado, ele nada disse. Carybé, por seu lado, levantou-se, despediu-se da mulher e saiu com o amigo, pedindo muitas desculpas — a ele. Um gesto inusitado: Carybé era temido pelos amigos por não respeitar a namorada de ninguém.”

Certa vez, Rubem ligou para Tônia e ameaçou: “Abre a porta, senão eu vou me jogar no mar!” Não deu resultado. Então, o cronista foi para a porta do edifício e ficou andando na calçada, “caminhando para lá e para cá, bem visível, até que ela o recebesse”.

A bela Tônia “abriu a porta. Rubem, trêmulo, desabou no choro, ela o acalmou — ‘você está achando que eu nunca mais vou dar pra você?’ —, conversaram um pouco, foram para a cama e, no dia seguinte, ela confirmou: ‘Tá chato, Rubem. Não é mais a mesma coisa. Você tem que procurar outra mulher. Não quero ficar me encontrando assim, de vez em quando”.

Rubem Braga - Um Cigano Fazendeiro No Ar
Rubem Braga – Um Cigano Fazendeiro do Ar, de Marco Antônio de Carvalho

Decidida, Tônia não quis mais sair com Rubem. “E Rubem diria, durante anos, que no momento da separação, as mulheres são muito mais cruéis que os homens.” Mesmo admitindo que não teria mais Tônia em seus braços, Rubem continuou ciumento. “O tempo fez com que Rubem aceitasse a separação, mas seu sentimento de posse nunca desapareceu por completo: quase duas décadas depois, no Antonio’s, Tônia e Rubem conversavam calmamente — até que Paulo Pinho, casado com a atriz Djenane Machado, entrou e se dirigiu à mesa dos dois para dar um beijo na madrinha do seu casamento. Cumprimentou Rubem, sentou-se — e, a partir de então, este emudeceu, pediu sua conta e retirou-se, sem se despedir. E, mais tarde, quando revia Pinho, fingia que não o reconhecia.”

Marco Carvalho conclui: “O fato é que Rubem, desde que conheceu Tônia Carrero e se envolveu com ela, nunca aceitou o fato de que a atriz não fosse sua mulher — ainda que, dubiamente, jamais propusesse a casar”.

A versão de Tônia: “Uma vez, nos anos 1960, ele me levou ao aeroporto e me mostrou uma crônica linda, dizendo que tinha sido escrita pra mim. Eu nunca acreditei: ‘Que nada, Rubem! Você escreve crônica pra todas as mulheres bonitas que encontra! Para mim, pra Lila Bôscoli, pra Helena Sabino. Você adora mulher de amigo!’ Ele concordou: ‘E eu vou me encantar com mulher de inimigo? Mulher de inimigo eu nem posso ver!'”.