Se vai pular o carnaval, não leia este texto

Se vai pular o carnaval, não leia este texto

Foi noticiado que o Ministério da Saúde vai distribuir 100 milhões de camisinhas durante o carnaval. Que sanha libidinosa essa do governo federal, tão acostumado a sacanear os cidadãos. Nunca fui bom em matemática e suruba, mesmo assim, sem ter mais o que fazer, catei o papel que embrulhava as bananas e fiz uns cálculos rápidos. Considerando 5 ml de sêmen por ejaculação, se o contingente total de preservativos for utilizado pelos foliões durante os quatro dias oficiais da festa, haverá um derrame oficial aproximado de 500 mil litros de líquido fecundante em território nacional, totalizando uma gama de esperma suficiente para encher, até a tampa, 500 caixas d’água com capacidade de 1000 litros cada uma, do projeto Minha Casa Minha Vida. Isso sem contar os coitos interrompidos, os coitos desprotegidos e a justiça feita com as próprias mãos.

Estatísticas à parte, declaro que sou afeito às palavras de efeito e às provocações do pensar, embora, isso quase sempre me traga sérios problemas de autoconfiança. Afinal, não convivo bem com as críticas em contrário. Apesar disso, acho que possuo talento inato para ser xingado. Portanto, fiquem à vontade para me mandar às favas. Eu não ligo. Aliás, pouca gente liga: Collor cogitando candidatar-se à Presidência; 13 milhões de desempregados; a violência urbana matando mais do que qualquer guerra no planeta; gente morrendo à míngua nas filas de atendimento da rede pública de saúde; o recrudescimento das moléstias contagiosas típicas de países atrasados, como a sífilis, a dengue e a tuberculose; esqueletos saindo do armário no maior escândalo de corrupção já visto na história do país; a justiça brasileira contaminada pelos micróbios da arrogância, da politicagem e da injustiça. Então, é isso: atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu de bala perdida.

Não me queiram mal. Sei que, para muitos, carnaval é sagrado, além de se constituir em business, para muitos. Não quero empatar os negócios de ninguém. Juro que sou boa companhia para um chope. Um dia, ainda conversaremos sobre as amenidades: música, cinema, Pabllo Vittar, a graciosidade da Primeira Dama, a vida após o casamento, a morte da bezerra, os assuntos que mais lhes apetecer. Entendam, não é que eu seja contra a Festa de Momo. Gosto não se discute; mau gosto, sim. O que me incomoda no carnaval não é a alegria estampada no rosto e no gestual das pessoas, pois, mais do que primário, é urgente ser feliz. À parte da embriaguez nauseante, do vapor fumegante da ureia nos becos, da trilha sonora de gosto discutível, das mãos bobas bancando as espertas, o que mais me surpreende nessa folia com doses cavalares é o exagero, a extravagância, o desligamento automático e massivo das massas cinzentas durante os quatro dias de feriadão (no mínimo), como se o país já fosse uma nação.

Confesso que, à minha maneira risível de ser, já me esbaldei num daqueles camarotes open bar, open food e closed mind da Marquês de Sapucaí patrocinados pelas cervejarias. Esquema “boca livre”, sabem como é. Me embriaguei com cerveja ruim. Sofri azia. Pedi autógrafo pra celebridade. Perdi a elegância. Desejei, com certeza, várias vezes, a mulher do próximo. De repente, no meio da fuzarca e do espetáculo monumental, eu me senti pequeno, distante, um zero a esquerda, um estranho fora do ninho, um peixe fora d’água, o folião mais antissocial do perímetro.

A despeito de compreender e respeitar que o carnaval seja a manifestação cultural mais remota e legítima do povo brasileiro, mais do que desventurado, de certa forma, eu me sinto um estrangeiro dentro da minha terra natal. Portanto, já que não vou participar da folia, deixo a minha cota de camisinhas para quem de direito. A gente se vê (ou não) na quarta-feira de cinzas.