Apesar do estudo, você não passa de uma mulher

Apesar do estudo, você não passa de uma mulher

Por favor, não saquem as armas no saloon, eu sou apenas um escritor. Ah… Eu adoro parafrasear os poetas da música popular brasileira. Apesar desse meu jeitinho impopular de escrever, adoro também enervar os leitores de mentes preguiçosas, cujas leituras se limitam à rasura dos títulos, palavras-anzóis com as quais eu os fisgo pelos olhos. Tanta lerdeza produz interpretações apressadas e risíveis. Não, eu não me importo com os insultos. Aliás, dos estultos, dispenso os afagos e os elogios. Se eles acontecem, é porque falhei, escrevi mal.

Não parece, mas, o mundo está melhorando. Eu não. Eu continuo piorando um pouco mais a cada dia, graças a Deus. Nunca houve tanto feminicídio no Brasil? Equívoco. Penso que, nunca antes na história deste país (eu e minhas paráfrases tolas), a violência contra as mulheres foi tão repudiada, inclusive, pelos homens, seus algozes milenares.

Redigi esta crônica com versos pinçados da MPB, desde os primórdios do século passado, com a contribuição de autores reconhecidos, como Noel Rosa, Paulo Vanzolini, Mario Lago, Martinho da Vila, Seu Jorge, Marcelo Nova e Gabriel O Pensador. Não os culpo pela crueldade lírica contra as mulheres. Certamente, fizeram registros históricos e realistas de suas épocas. Costurei, estupefato, envergonhado, uma atroz colcha de retalhos. Nos dias de hoje, esta crônica-Frankenstein soa aviltante. E é. Que nunca mais se cantem versos assim.

“Apesar do estudo, você não passa de uma mulher. Pra ficar comigo, tem que ser mulher, fazer o meu almoço e também o meu café. Quero uma mulher que saiba lavar e cozinhar, que de manhã cedo me acorde na hora de trabalhar. Mulher bonita mexe com meu coração, eu pego. Se fosse mulher feia, tava tudo certo, não pego. Eu vou te cortar a cabeça. O resto pode deixar que eu aproveito.

Tudo que é perfeito a gente pega pelo braço, joga ela pro meio, mete em cima, mete embaixo; depois de nove meses, você vê o resultado. Mulheres vulgares! Mulheres só querem o que as favorecem: dinheiro, Ibope; te esquecem se não os tiverem. Mas que mulher indigesta! Merece um tijolo na testa. Essa mulher é ladina, o que merece é entrar no açoite.

Dói. Um tapinha não dói. Banguela, fedida, fodida! Pode até ser gordinha, apesar dos defeitos, todas elas têm o que a gente quer. Mulher que não dá samba eu não quero mais. Se atrás da bronca viesse a roupa limpa, o café quente, ou se fosse ignorante no claro e ardente no escuro. A pia tá cheia de louça; a roupa, toda amarrotada; e você nem parece que gosta de mim; a casa tá toda desarrumada e nem uma vassoura tu passa no chão. Amélia que era mulher de verdade. Amélia não tinha a menor vaidade.

Quem não tem amor em casa vai se ajeitar na rua. Se você não tem pra dar, sei que a culpa não é sua, mas, por favor, me entenda, não estou te traindo, eu só quero um carinho e você não tem pra dar. Que mulher ruim, jogou minhas coisas fora. Esta nega já foi minha; não quis ir pra cozinha, no primeiro dia o nosso amor morreu. Eu não quero essa mulher nem coberta de ouro, ela é dose pra leão, é a imagem do cão.

Quem gosta de homem bonito é veado. Mulher gosta é de dinheiro. À procura de carro, à procura de dinheiro, o lugar dessas cadelas era mesmo num puteiro. Não sou machista; exigente, talvez. Na subida do morro, me contaram que você bateu na minha nega. Isso não é direito, bater numa mulher que não é sua.

Se essa mulher fosse minha, eu tirava do samba já já, dava uma surra nela que ela gritava ‘Chega!’. O maior castigo que eu te dou é não te bater, pois, sei que gostas de apanhar. Será que ela quer pancada? É só o que lhe falta dar. Ela quer apanhar. Pancada não há de faltar. Eu só sei que a mulher que engana o homem merece ser presa na colônia, orelha cortada, cabeça raspada, carregando pedra pra tomar vergonha. Tá ouvindo, piranha?!

Êta, nega! Tu é feia que parece macaquinha. Olhei pra ela e disse ‘Vai já pra cozinha’. Dei um murro nela e joguei dentro da pia. Quem foi que disse que essa nega não cabia? Todo homem que sabe o que quer pega pau pra bater na mulher.”

Ilustração: recriação baseada em uma pintura de Edward Hopper.