7 romances premiados que ninguém tem coragem de dizer que são entediantes

7 romances premiados que ninguém tem coragem de dizer que são entediantes

O tédio, essa sensação ambígua que oscila entre o vazio e o excesso, é um tema que atravessa a história da literatura e da filosofia como um fenômeno existencial e da cultura em senso estrito. Longe de ser apenas um mal-estar passageiro, o tédio tem servido como ponto de partida para profundas reflexões, manifestações artísticas e até mesmo como motor criativo. A literatura, por seu turno, tem sido tanto produto quanto espelho desse sentimento. Escritores debruçaram-se sobre o tédio, reagiram a ele em sua produção criativa ou usaram-no como lente crítica da realidade. A complexa relação entre literatura e tédio percorre diferentes períodos históricos e correntes teóricas, materializado na produção de autores os mais diversos, moldando obras literárias de suma importância para os fundamentos da arte narrativa, ao passo que também desvelam aspectos essenciais da condição humana.

Arthur Schopenhauer (1788-1860) via o tédio como a manifestação do vazio da vida, enquanto Søren Kierkegaard (1813-1855) considerava-o um elemento central da experiência humana, associando-o à angústia e à liberdade. Para ele, “o tédio é a raiz de todo mal”, pois surge da capacidade humana de imaginar e desejar constantemente algo diferente do que se tem. Já na psicologia, o tédio é muitas vezes descrito como um estado emocional de baixa estimulação, caracterizado por falta de interesse, apatia e insatisfação. Embora geralmente visto como uma experiência negativa, estudos contemporâneos vêm destacando seu papel potencialmente positivo como gerador de criatividade e reflexão. Essa duplicidade — tédio como estagnação e como provocação — é o que torna sua relação com a literatura especialmente rica.

A literatura foi vista como uma das formas privilegiadas de escape do tédio. Desde as narrativas orais nas sociedades antigas até os romances modernos, ler — ou escrever — sempre foi uma maneira de ocupar o tempo e preencher o vazio da existência cotidiana. No entanto, ao mesmo tempo, a literatura também frequentemente tematiza o próprio tédio, seja como crítica social, seja como questão filosófica. Em muitos casos, literatura e tédio são faces de uma mesma moeda: a literatura surge do tédio, e o tédio é matéria da literatura. A experiência de ler pode tanto afastar o tédio quanto conduzir o leitor a um enfrentamento mais profundo com suas próprias angústias. Com o avanço do realismo e do naturalismo no século 19, o tédio passou a ser retratado de forma mais objetiva, quase científica. 

Na obra de Gustave Flaubert (1821-1880) especialmente em “Madame Bovary” (1856), o tédio burguês aparece como crítica ao vazio da vida provinciana. Emma Bovary, entediada com sua rotina e seu casamento, busca no adultério e nos romances sentimentais um escape ilusório, que a leva à ruína. O tédio, nesse contexto, é tanto sintoma social quanto denúncia estética. Émile Zola (1840-1902), por sua vez, em seu naturalismo, também aborda o tédio como uma consequência das condições materiais e psicológicas dos personagens. No Brasil, Machado de Assis (1839-1908) oferece um retrato singular do tédio em obras como “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), onde o protagonista, morto e desencantado, olha para a vida com uma mistura de ironia e apatia. O tédio machadiano é filosófico, mordaz e revela uma crítica profunda à hipocrisia social.

Clarice Lispector (1920-1977) também lida com o tédio de maneira densa, sensorial, quase metafísica. Em obras como “A Paixão Segundo G.H.” (1964), a protagonista vive uma experiência de tédio transcendental, que a conduz a uma espécie de epifania. A escrita, nesse sentido, pode ser vista como ritual de exorcismo e espaço de elaboração estética do tédio. Em muitos casos, o que para um leitor é fonte de identificação, para a autora foi o processo de enfrentamento de um vazio. A relação entre literatura e tédio também passa pela experiência do leitor. Certas obras, especialmente aquelas mais introspectivas ou experimentais, são frequentemente acusadas de serem “entediosas”. No entanto, esse tipo de tédio pode ser produtivo. O leitor é instado a desacelerar, refletir, enfrentar o silêncio e a monotonia — movimentos opostos à lógica do entretenimento instantâneo. A relação entre literatura e tédio é, acima de tudo, paradoxal. O tédio pode paralisar, mas pode também gerar movimento. Pode parecer vazio, mas está cheio de possibilidades. Pode afastar da vida, mas aproxima da arte. 

Na tradição literária, o tédio não é apenas um tema, mas uma força revolucionária. Ele provoca rupturas, convida à introspecção, força a imaginação. Como disse Roland Barthes (1915-1980), “o tédio é o horizonte do sentido”, e é talvez por isso que ele permanece tão presente na literatura: porque obriga-nos a perguntar o que estamos fazendo aqui, o que falta, o que podemos criar a partir do nada. Assim, a literatura não apenas retrata o tédio, mas o transforma — em linguagem, em estilo, em questionamento. E, nesse processo, nos permite ver que, mesmo no tédio, há sentido. Ou, pelo menos, a busca por ele. A grande ironia é que o esforço por driblar o tédio pode resultar em mais tédio, como prova a lista abaixo, por motivos que, evidentemente, passam bem longe da unanimidade. Clarice entra com o já citado “A Paixão Segundo G.H.”, junto com outros seis romancistas, grandes por desafiarem o senso comum e correrem o risco mortal de aborrecer.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.