Quando somos obrigados a decidir sobre assuntos muito além de nossas vidas, conflitos se alastram como fungos numa cesta de pães. Um mistério que congrega a força da reflexão na hora de fazer escolhas importantes, a capacidade de delegar quando necessário, e, principalmente, o componente quase sutil de uma vingança contra o homem e seu péssimo costume de julgar-se sempre o que pode haver de mais importante são o fundamento de “Circle”, trama em que Aaron Hann e Mario Miscione juntam uma sofisticada ficção científica a um suspense com ritmo próprio, nada usual, intencionalmente caótico. Os diretores-roteiristas também conseguem dar roupagem nova ao mote apocalíptico, renunciando a efeitos especiais de última geração e investindo as fichas num texto preciso, que por seu turno extrai do numeroso elenco a ideia de estranhamento que o público reconhece logo. É essa simplicidade refinada que faz com que a história não resvale no tédio nunca, em que pese o único cenário e o fato de os atores só saírem de cena sob uma dada condição, brincadeira especialmente macabra em que a iminência da morte e a vontade de permanecer no jogo precisam aprender a coexistir, até que, aparentemente, reste um vencedor. Mas nada nunca é tão explícito assim.
Um grupo de cinquenta indivíduos de diferentes perfis olham para o vazio numa sala escura. A câmera desliza pelos semblantes de cada um, como se o tambor de um revólver numa roleta russa que pudesse dar cabo de todos com um projétil de dimensões inestimáveis. A imagem estanca, afinal, diante de uma mulher de compridos cabelos ruivos; enquanto isso, a cena se desloca para o centro do palco, onde uma esfera negra sobe, luzes vermelhas tremelicam e pessoas começam a morrer. Aos poucos, os participantes notam que há uma lógica para as mortes, definida inconscientemente por eles mesmos; Hann e Miscione trabalham essa filigrana do roteiro em silêncio, no propósito de reservar uma grande surpresa para o encerramento dessa farsa tétrica — silêncio, aliás, é um conceito de fato precioso na dinâmica dessa gincana sinistra. A certa altura, “Circle” traça um panorama breve da vida dos cinquenta jogadores, detendo-se, por óbvio, naqueles cuja história fomenta as grandes discussões que se querem encampar. Uma mulher faz um resumo de sua vida: ela teve de criar os quatro irmãos mais novos porque o pai era viciado em heroína e a mãe tinha uma depressão severa. A conversa desenrola-se de modo a se chegar ao ponto em que o advogado vivido por Michael McLafferty, um homem branco, presumidamente endinheirado e conservador, obriga-a a se revelar homossexual. O excelente desempenho de Mercy Malick leva o filme para seu ponto mais alto, quando mediante um assunto tão espinhoso, consegue-se alcançar o epílogo portentoso, em que se infere, à luz de marcos do gênero a exemplo de “Os Outros” (2001), dirigido por Alejandro Amenábar, ou “A Chegada” (2016), levado a tela por Denis Villeneuve, que os alienígenas estão muito mais perto do que se imagina.
Filme: Circle
Direção: Aaron Hann e Mario Miscione
Ano: 2015
Gênero: Thriller/Ficção científica
Nota: 8/10