Quer trocar um burguer New York Style por um espetinho de gafanhoto?

Desde o século 18 que um país não ocidental, não democrático-liberal e de língua não inglesa, não se torna a maior economia do mundo. Há uma projeção matemática que indica que a China quebre este jejum de primeiro posicionamento e ultrapasse os Estados Unidos, tornando-se assim a maior economia global, dentro de mais dez anos. Este fato, por si só, é extremamente relevante para o contexto global. A primeira ideia que nos vem a cabeça é que, com a virada da chave do domínio econômico, assistiremos também à virada da chave do domínio cultural.

Vale lembrar que o domínio exercido pelo meio cultural é sempre mais eficaz, duradouro e de menor custo, se comparado com domínios pela força. Os impérios que utilizaram a força do poder cultural tiveram suas influências sobreviventes além do tempo do próprio império, como exemplo o Império Romano que se extinguiu há 1500 anos, porém segue exercendo sua influência através do Latim, língua classificada como morta que, no entanto, ainda tem sua utilização em classificação biológica, químicas e técnicas, além de ser a lingua usada em missas solenes e em citações jurídicas. Sem contar a influência latina na poesia, na arquitetura, nas artes plásticas e no direito. Também vale citar o Império Grego que se extinguiu antes de cristo e que nos legou as ideias filosóficas que permeiam a sociedade até hoje, como as de Platão e Sócrates, além das bases do conceito de democracia. Já o Império Mongol de Gengis Khan, que notadamente utilizou a força para construir o maior império em extensão territorial de todos os tempos, dissolveu-se em 1368 sem deixar um legado cultural significativo. A ponto de que quase não se faz referências a esse período.

Em tempos modernos, o Império Anglo-Americano tem se esmerado no uso da colonização pela cultura. Foi tamanho o êxito desta prática, que até mesmo um novo conceito surgiu, o chamado Soft Power (em oposição a Hard Power: Guerra). Que nada mais é do que o domínio através da influência cultural e do poder de atração. Este conceito foi desenvolvido pelo professor de Harvard, Joseph Nye, ao final de 1980, no livro “Soft Power: Os Meios Para o Sucesso na Política Mundial”. Nas palavras de Nye: “O conceito básico de poder é a capacidade de influenciar os outros para que façam o que você quer. Basicamente, há três maneiras de se fazer isto: uma delas é ameaçá-los com porretes; a segunda é recompensá-los com cenouras; e a terceira é atraí-los ou cooptá-los para que queiram o mesmo que você. Se você conseguir atrair os outros, de modo que queiram o que você quer, vai ter que gastar muito menos em cenouras e porretes”. Simples assim.

Temos que tirar o chapéu para os americanos, eles são mestres na aplicação do Soft Power.  Afinal, quantas vezes eles não nos salvaram de ataques alienígenas, quantas vezes eles não nos evitaram catástrofes armagedônicas, simplesmente desviando pedregulhos siderais em rota de colisão com a Terra? Isso para não citar a guerra perdida do Vietnã, que teve uma reversão simbólica espetacular, com o envio de um homem só (Rambo) para, praticamente, exterminar os vietnamitas malvados.

É fato que, em nossa geração, os Estados Unidos ditam os padrões, tanto tecnológicos quanto comportamentais, ao redor mundo. Isso preocupa enormemente a China. Os chineses sabem que o seu Soft Power está longe de ter o mesmo apelo, desempenho e vigor de sua economia.

Aqui na China, há uma discussão quase que diária, na televisão estatal, de como se melhorar os aspectos chineses de dominância cultural. Afinal, a China não quer somente comprar e pagar, ela quer exercer influência e cooptar cérebros para a sua causa.

Se a previsão matemática nos garante que a economia chinesa ultrapassará a americana em dez anos, o mesmo, claramente, não acontecerá do ponto de vista cultural. Alguém se imagina trocando os talheres de prata por palitinhos de bambu, trocando um burger New York Style por um espetinho de gafanhoto, deixar de degustar um bom vinho para fazer um “gambei” num BaiJiu (cachaça chinesa de arroz, com 56% de teor alcoólico, tomada no vira), deixar de jogar uma pelada no final de semana com os amigos para praticar o badminton ou até mesmo sua aula de zumba pela dancinha da praça no fim da tarde? (Cena corriqueira e curiosa, protagonizadas por senhorinhas em todo espaço público das grandes cidades chinesas).

A história nos garante que uma cultura, uma vez estabelecida, demanda um longo tempo para ser erradicada, como as anteriormente citadas: Grega, Romana e, mais recentemente, a Americana. E como a cultura chinesa tem um baixíssimo poder de atração em sociedades ocidentais, é improvável que veremos nos próximos 100 anos o domínio econômico sendo acompanhada pela hegemonia cultural.