O melhor filme de terror que você verá este mês acaba de chegar à Netflix Divulgação / Universal Pictures

O melhor filme de terror que você verá este mês acaba de chegar à Netflix

À medida que inventa demandas e cria novas necessidades, o homem precisou também elaborar novos jeitos de resolver os problemas a que ele mesmo dava azo. Foram surgindo objetos, mecanismos, programas, dispositivos antes completamente alheios ao dia a dia do cidadão comum. Esses aparatos, capazes de expandir a realidade, possibilitar ao indivíduo experiências que sequer imaginava, numa espécie de prolongamento de sua consciência, adquiriram o status de meros eletrodomésticos, tão banais se tornaram. A partir de então, tudo o que a velha musa cantava tinha de cessar, para que novos anseios fossem alimentados, novas carências supridas, e nos entulhássemos de outras parafernálias. A inteligência artificial continua mais diabólica que santa, e em “M3gan” ela materializa-se da forma mais enganosa que poderia. Não é de hoje que a infância e seus símbolos ganham a tela para que venha à superfície uma compreensão muito particular do horror, e o filme de Gerard Johnstone flerta, sim, com clássicos do gênero, a exemplo do ótimo “Brinquedo Assassino” (1988), de Tom Holland, e sua vasta descendência, mas tem luz própria.

O roteiro de Akela Cooper e James Wan vale-se de recursos como a sátira autorreferencial para zombar dessas histórias e da audiência, que logo aceita participar do jogo. O comercial de um certo Purrpetual Pet dá o tom farsesco que caracteriza grande parte do longa, e pouco depois, Cady, uma garota de nove anos, aparece no banco de trás de um carro, deslocando-se com os pais até um chalé de esqui no Oregon para gozar as férias de inverno. Johnstone insiste na exposição das incongruências lógicas dos filmes de terror, e mostra Cady e a família sofrendo um inexplicável acidente, do qual somente ela escapa com vida. Um corte seco leva a narrativa para o escritório da Funki, a empresa que fabrica o Purrpetual Pet, agora empenhada no desenvolvimento de uma boneca em tamanho real capaz de emular as ações de uma criança como Cady. Na verdade, Gemma, a engenheira que toca o projeto, já torrou mais de cem mil dólares do orçamento previsto sem  chegar a nenhum resultado concreto, e agora precisa ou encerrar os trabalhos ou colocar o novo produto nas lojas. Em meio ao turbilhão profissional, Gemma, a tia materna de Cady, sabe do acidente e acolhe a sobrinha; como por encanto, o Modelo 3 Android Generativo, M3gan para os íntimos, sai do papel. E passa a ocupar papel de destaque junto a essa diminuta família.

O diretor prioriza uma estética que lima exageros, concentrando-se nos ambientes frios e tecnológicos que estabelecem contraste eficaz com os lances mais incisivos. A elaboração do suspense obedece a uma cadência, feita de sequências de tensão escalada que mantêm o público ligado — embora os clichês nunca deem trégua, e sejam particularmente danosos no terço final. Tudo isso perde importância, entretanto, frente às performances de Violet McGraw e Allison Williams, em separado e juntas, além de Amie Donald e Jenna Davis, que conferem movimento e personalidade à boneca assassina. Amalgamando tecnologia e suas distorções a uma crítica matadora sobre os hábitos contemporâneos, “M3gan” atinge o objetivo de abrir nossos olhos para o que ainda pode sair da caixa de Pandora do dito progresso. Vendido como salvador em anúncios incessantes, nos primórdios da televisão e, claro, na pós-modernidade das plataformas e redes sociais.

Filme: M3gan
Diretor: Gerard Johnstone
Ano: 2022
Gênero: Ficção Científica/Terror
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.