Bula de Livro: O Mundo do Sexo, de Henry Miller

Bula de Livro: O Mundo do Sexo, de Henry Miller

Li “O Mundo do Sexo”, de Henry Miller, e estou certo de que o mundo não mudou segundo Miller; contudo, ele nunca foi tão necessário. Explico: Henry Miller tornou-se um escritor polêmico por abordar o sexo sem medidas restritivas, sem eufemismos. Este é seu maior atributo, além de um estilo de escrita eficaz que influenciou nomes consagrados como Jack Kerouac, Charles Bukowski, Thomas Pynchon e Philip Roth, dando início à aclamada, ainda que marginal, geração beatnik.

Miller fez previsões contundentes, baseadas na decadência dos humanos em função do desenvolvimento tecnológico, e levantou críticas severas ao distanciamento e à escassez de amor entre as pessoas. Dizia: “A ciência ainda procura; o amor encontrou”. Era um fervoroso defensor da vida natural e crítico das modernidades eletrônicas e afins. “Para nos proteger, inventamos os mais fantásticos instrumentos de destruição, que acabam voltando contra nós.”

O Mundo do Sexo
O Mundo do Sexo, de Henry Miller (José Olympio, 96 páginas)

Em “O Mundo do Sexo”, Miller, que se autobiografou em seus livros, apresentando narrativas de sua vida e suas aventuras, tinha uma visão sobre sua literatura e se esforçou para concretizá-la. Argumentava: “Quando eu conseguir fazer com que a palavra escrita transmita a plena essência da verdade e da sinceridade, não haverá discrepância entre o homem e o escritor, entre quem sou e o que faço ou digo”. Como se isso fosse possível! Sempre há resquícios, detalhes ou manchas escondidas.

Falar sobre si mesmo é, por regra geral, muito complicado. Não conseguimos eliminar completamente a afetação. Na busca pela perfeição em sua escrita, Miller aspirava contar os eventos de sua vida de forma transparente, sem disfarces ou adornos, dominando assim uma forma de escrita tão pura quanto possível.

“O Mundo do Sexo” reflete essa busca. Miller não se descreve de forma indulgente ou contemplativa. Ele entende que, para que sua “doutrina”, baseada na liberdade sexual plena, funcione, é necessário um narrador fiel à ação. Os detalhes líricos não devem ser fictícios. Para Miller, o papel só deve receber a verdade.

Totalmente imerso em sua percepção da vida, que exala amor em suas diversas formas, tendo o sexo como uma experiência sensorial elevada, “O Mundo do Sexo” apresenta uma perspectiva audaciosa, ainda considerada surpreendente em alguns círculos mais conservadores.

Miller tem uma adoração especial por Paris, dizendo: “A primeira coisa que notamos em Paris é que o sexo está no ar”. E não se coíbe de expressar opiniões contundentes, como: “Vamos fazer amor até perder a razão, enquanto temos tempo”.

Para Miller, o sexo é o propósito da vida, e a liberdade de satisfazer o desejo é uma necessidade, um direito. Na visão dele, para o homem do tempo de Adão, sem amarras, “não existem tabus, leis, convenções. Ele segue seu caminho sem ser detido pelo tempo, espaço, obstáculos físicos ou considerações morais”.

O texto de Miller também é um a apologia ao amor incondicional e ao estado de graça que ele proporciona e que o escritor teme, por certo, o homem do futuro perderá. Em sua perspectiva, Miller faz um alerta. E consegue ser essencialmente espontâneo e real, por isso necessário. Ser verdadeiro é seu objetivo. Mas, cuidado, bem sabemos: o escritor é um grande mentiroso.


Livro: O Mundo do Sexo
Autor: Henry Miller
Tradução: Roberto Muggiati
Páginas: 96 páginas
Editora: José Olympio  
Nota: 9/10