Ninguém escapa da vida. Por mais que faça, o homem não contorna sua própria sorte; talvez, graças ao avanço da medicina, seja capaz de livrar-se de uma ou outra pedra ao longo da viagem, mas chega uma hora em que o fardo pesa tanto, que o infortúnio fica tão dono das circunstâncias que viver parece tornar-se pouco mais que uma birra, e a força que resta obedece a um movimento dialético, submergindo e tornando a aparecer não se sabe até quando, como se num jogo perverso. “50%” é exatamente isso, o empenho de um homem agarrando-se a todas as chances que podem lhe sorrir enquanto balança numa corda tênue, ora pendendo para um fio de esperança, ora inclinado a despencar no abismo de tudo. Jonathan Levine espreme toda a poesia do roteiro de Will Reiser, ele mesmo sobrevivente de um tumor maligno na coluna descoberto aos 25 anos, ao cabo de semanas padecendo de uma inexplicável dor nas costas. Passadas quase duas décadas, Reiser, claro, ainda tem muito frescos na lembrança os dias de incerteza, de desespero, de comentários tragicômicos e dos esclarecimentos sempre friamente técnicos dos profissionais que o assistiam, até que dois personagens fundamentais para sua cura entram em cena.
No filme, Reiser vira Adam, redator de uma rádio pública em Seattle, estado de Washington. O diagnóstico de um câncer nunca há de ser encarado com leveza por ninguém, por mais favoráveis que sejam as estatísticas ou por piores que tenham sido os hábitos do doente. Adam, vivido com tocante dignidade por Joseph Gordon-Levitt, fica especialmente chocado porque, além do ofício cada vez mais anacrônico num mundo em frenética metamorfose neste tresloucado século 21, é o típico careta: não fuma nem bebe e não tem nenhum gosto especial por aventuras de qualquer ordem. O surgimento de uma enfermidade tão avassaladora em alguém com a vida toda pela frente, por óbvio, chacoalha sua pasmaceira, mas não só. Kyle, o melhor amigo, de Seth Rogen, toma a frente, um tanto cuidadoso demais e a despeito do que Adam imagine ser melhor para si num momento como esse. Levine aproveita pequenas ilações do texto de Reiser a fim de tratar dessa infantilização do paciente, sobretudo quando se fala em câncer. Malgrado entenda que Kyle tenha a melhor das intenções, Adam sente como se a doença ganhasse uma proporção ainda maior, como se estivesse mesmo condenado e que o mais razoável fosse mesmo terceirizar sua vida. Essa atmosfera de pânico, de destruição, de impotência, de aniquilamento das vontades, mas também de epifania, de limpeza, de renascimento, sembra mais prolífica que o cancro que principia a irradiar da coluna para os tecidos moles, e o rompimento com Rachael, a namorada leviana encarnada por Bryce Dallas Howard, é inevitável. Seu, vá lá, consolo é descobrir que ela já não estava mais tão envolvida mesmo antes da grande reviravolta em sua vida, mas o relacionamento com Diane, a mãe superprotetora interpretada por Anjelica Huston, periga vir a ser um foco de estresse num momento difícil também para ela.
No meio do segundo, o personagem de Rogen, um dos grandes amigos de Reiser na vida real, cede espaço para Katherine, uma jovem psicóloga sem a experiência necessária para lidar com situação tão complexa. O diretor manipula uma solução deus ex machina para tornar crível o envolvimento amoroso de Adam e Katherine, o que soa forçado mesmo que a boa performance de Anna Kendrick suavize bastante o incômodo. “50%” não se importa de ir-se tornando cada vez mais farsesco, o que não deixa de ser um trunfo. Às vezes, sonhar é muito melhor que viver.
Filme: 50%
Direção: Jonathan Levine
Ano: 2011
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10