Bula de Livro: Salmo, de Friedrich Gorenstein

Bula de Livro: Salmo, de Friedrich Gorenstein

Li Salmo: romance-meditação sobre os quatro flagelos do Senhor, de Friedrich Gorenstein, e gostei. Na verdade, gostei bastante. “Salmo” é o primeiro livro do roteirista de Solaris, do diretor russo Andrei Tarkovski, traduzido para o português. “Salmo” narra o episódio da passagem de Dã, da tribo de Dã, a Áspide, o Anticristo, o irmão de Jesus Cristo, pelo mundo. Dã é um homem, aparentemente comum, que observa e interage com os humanos, na União Socialista Soviética (URSS), entre os anos de 1933 e 1973. “Quem teme muito os homens não teme a Deus.” Diz, o Anticristo que, usando a voz dos profetas bíblicos, interpreta o comportamento dos homens durante vários períodos de sua vida terrena, da sua juventude à maturidade. No caminho, Dã sustenta e faz acontecer os quatro flagelos do Senhor, que assolam e punem a humanidade. Os flagelos dividem o livro. Um capítulo para cada flagelo, que é apresentado em forma de parábola. O primeiro é a espada, representada no livro pela guerra, o segundo a fome, o terceiro o animal feroz, simbolizado pela luxúria, e o quarto a doença, ou seja, a peste.

Salmo, de Friedrich Gorenstein
Salmo, de Friedrich Gorenstein (Editora Kalinka, 408 páginas)

Gorenstein nasceu em Kiev, na Ucrânia, hoje palco de uma guerra que dura mais de um ano com a sua irmã histórica, a Rússia. Filho de pais judeus, Gorenstein ficou órfão muito cedo. O pai foi preso e enviado à GULAG (regime de campos de trabalhos forçados para criminosos e presos políticos da URSS) e a mãe morreu de tuberculose. O escritor viveu em um orfanato e foi criado por duas tias. Viveu as dificuldades e as durezas dos sistemas educacionais. Em seu livro, ele investiga e localiza a vida dos judeus na URSS e apresenta em detalhes, mergulhando em um caminho filosófico e moral, o antissemitismo russo no pós-guerra.

“Salmo” é um conjunto de conjecturas nada superficiais sobre religiões, comportamento, disciplina, conduta e moral. Num estilo dostoievskiano, singular e ao mesmo tempo crítico do escritor canônico, Gorenstein apresenta suas personagens, homens, mulheres e crianças, vítimas da guerra, da fome e da exploração, com uma sensibilidade crua e uma realidade tocante. Os acompanha durante sua passagem trágica e o significado de suas vidas comparadas às considerações religiosas bíblicas proferidas por Dã, o Anticristo, quando fala por meio dos profetas. Sem exceção, os flagelos divinos assolam as personagens, enquanto o narrador discursa sobre a história e a filosofia comportamental dos povos declarados na história. A saber, os judeus-russos, os russos, os ucranianos, os bielorrussos, povos com idiossincrasias e posturas peculiares.

Gorenstein combate o antissemitismo, mas critica a postura de pares judeus na URSS. Discursa sobre o ateísmo de forma convincente e confronta a religião frágil, cuja fé é instável e insegura, e declara: “Se não houver forças para acreditar no Senhor, até o ateísmo é melhor que a idolatria”.


Livro: Salmo
Autor: Friedrich Gorenstein
Tradução: Moissei Mountian e Irineu Franco Perpetuo
Páginas: 408 páginas
Editora: Editora Kalinka
Nota: 10/10