As pessoas cultas são um mistério. Elas sabem exatamente onde fica o Sudão do Sul, têm opiniões firmes sobre a vírgula de Oxford, e conseguem sair de uma livraria com apenas um livro na mão, o que, francamente, deveria ser reconhecido como superpoder. Algumas vivem em bibliotecas pessoais onde as estantes fazem mais curvas que a vida amorosa do protagonista de um romance russo. Outras têm o hábito de sublinhar trechos com lápis e escrever observações nas margens com letra miúda e irretocável, como se fossem editores fantasmas do próprio Tolstói. Estão sempre lendo alguma obra “incômoda”, “inteligente” ou “profundamente transformadora”. Não raro, envolvem-se em discussões acaloradas sobre traduções da Ilíada e se ofendem quando alguém chama Clarice de “esotérica”. Elas sabem das coisas, e nós seguimos observando, meio intimidados, meio fascinados.
A parte boa é que o gosto literário das pessoas cultas pode servir de bússola para quem anda perdido na selva dos lançamentos. Elas já filtraram os livros de autoajuda disfarçados de romance, as histórias que parecem roteiros da Netflix mal adaptados e os títulos criados por IA em surto criativo. Quando uma pessoa realmente erudita recomenda uma leitura, você escuta. Mesmo que ela comece a explicação com “o narrador não é confiável, mas…”. É aí que você finge entender, anota o nome com o Google aberto e espera o momento certo para brilhar num jantar. Saber o que ler é metade do caminho. A outra metade é encontrar tempo entre boletos, telas e ansiedades variadas, o que nos leva ao motivo desta lista: facilitar sua vida com indicações que já passaram pelo crivo mais exigente da sociedade civil organizada dos intelectuais de confiança.
Então prepare sua xícara de chá (ou seu expresso duplo), ajeite a manta no sofá e prepare-se para ler livros que fazem pensar, sentir e, talvez, reconsiderar toda a sua existência. Não é exagero. Aqui estão as escolhas literárias de quem lê por amor, por vício e por um certo prazer de parecer inacessível. Entre ficções ousadas, narrativas introspectivas e reimaginações de clássicos, essa seleção reúne obras que foram cuidadosamente devoradas, e depois recomendadas, por pessoas que não têm paciência para modismos passageiros. Nada de thrillers genéricos com final “chocante” ou romances açucarados com protagonistas em crise de meia-idade com uma padaria artesanal. Estes livros exigem mais e entregam muito mais. E o melhor: você não precisa ser um erudito para apreciá-los. Basta abrir a primeira página.

Três recém-contratados assumem funções em um complexo industrial tão vasto que seus limites se confundem com a própria cidade. Cada um executa tarefas absurdamente específicas e desconectadas entre si: alimentar lontras, revisar documentos sem sentido, remover gramíneas indesejadas. Com o tempo, suas rotinas vão se diluindo numa temporalidade incerta, onde os dias parecem repetir-se num eterno déjà-vu corporativo. O labirinto da fábrica, com corredores infinitos e regras opacas, transforma-se em uma alegoria precisa do trabalho alienado e da vida moderna automatizada. O real e o absurdo fundem-se com tal naturalidade que a inquietação cresce sem estardalhaço. O que parece simples revela-se meticulosamente construído para desestabilizar. E, ao fim, o que se perde não é o rumo, mas a própria ideia de rumo.

Na paisagem opressora do sul escravagista dos Estados Unidos, um homem negro foge em busca da liberdade. Sua história é conhecida — ou pelo menos era, até ser recontada por quem sempre ficou à margem da narrativa. Com inteligência afiada e ironia cortante, o protagonista revela que muito do que se sabia era invenção: ele nunca foi um coadjuvante, mas o verdadeiro motor da travessia. Enquanto navega pelo rio ao lado de um garoto branco que não enxerga suas próprias contradições, ele expõe o racismo estrutural com uma lucidez que desarma e provoca. Entre diálogos silenciosos e estratégias de sobrevivência, emerge uma crítica feroz ao mito da inocência americana. O clássico se inverte, e no espelho da literatura, o reflexo agora inquieta. Nada permanece igual após essa leitura.

O luto é uma cozinha silenciosa. É nesse espaço – entre frigideiras, geladeiras e panelas esquecidas – que uma jovem tenta reorganizar sua vida após perder a última pessoa que lhe restava. Sem rumo, ela se aproxima de um colega de classe e da mãe dele, cuja identidade de gênero rompe convenções com delicadeza. Juntos, formam uma espécie de família improvisada, unida não por laços de sangue, mas por afetos e ausências compartilhadas. A prosa suave, quase translúcida, esconde camadas de dor e ternura que ressoam muito depois da última página. A cidade ao redor pulsa com discrição, enquanto os personagens aprendem que sobreviver é também escolher o que se aquece no fogo baixo do cotidiano. Nada se resolve. Mas algo, sutilmente, se reconstrói.

Há quem diga que a imaginação é uma forma de loucura. Neste híbrido vibrante entre ensaio e autobiografia, o processo criativo é tratado como obsessão, consolo e instinto de sobrevivência. A autora mergulha em suas lembranças, paixões e leituras para costurar um texto íntimo e revelador sobre o que nos move a escrever — ou simplesmente a contar histórias para não enlouquecer. Evocando Virginia Woolf, Cervantes, Dostoievski e outros fantasmas ilustres, ela investiga as fronteiras porosas entre ficção e realidade, memória e invenção. O tom é confessional sem ser piegas, erudito sem pretensão, apaixonado sem perder o humor. No centro, uma pergunta insistente: por que criamos? As respostas, múltiplas e contraditórias, surgem como lampejos — intensos, breves, absolutamente verdadeiros.