Eberth Vêncio

Eles não usam copo Stanley

Eles não usam copo Stanley

Não tenho nada contra os copos térmicos. Nada mesmo. Muito pelo contrário. Acho até que são os melhores do mundo, depois, é claro, dos clássicos copos americanos de vidro canelado, de 190 ml, fartamente utilizados nos botequins que eu frequento. Ando pistola com os copos térmicos. Parece antagônico, mas, eu explico. Na verdade, ando implicado com usuários de copos térmicos. E eles estão por todas as partes. Nos bares. Nos regabofes. Nas despedidas de solteiro. Nos funerais. Nos bailes de formatura. Nos batizados. Nos cabarés.

Gente chata vai pagar mais imposto Freepik

Gente chata vai pagar mais imposto

Tirei uns dias de férias. Escolhi para descanso uma famosa estância hidrotermal localizada perto da cidade onde moro. A ideia era aproveitar o clima ameno dessa época do ano, com temperaturas mínimas atingindo a casa dos 12 graus Celsius, e ficar mergulhado nas relaxantes piscinas de água quente até o corpo ficar murcho que nem maracujá de gaveta. O lugar era incrível, paradisíaco, mas, lamentavelmente, inacessível para a maior parte dos trabalhadores brasileiros. Não restava dúvida de que eu era um cidadão privilegiado.  

Fazendo Deus de trouxa

Fazendo Deus de trouxa

Quando a sua terra natal está sendo violada por invasores, pouco importa se é domingo, feriado ou dia santo. É inútil. Não tem para onde correr e todos os dias são úteis para escapar e se esconder. O medo da morte não tem um só dia de folga. O terror faz hora extra e quem paga é o mais fraco. Quando a cidade cujas ruas você percorreu uma vida inteira está de pernas para o ar, destruída tijolo a tijolo pelo fogo inimigo, o único mister que resta é se enfiar num bunker, numa vala, num buraco e rezar para não ser visto.

Eternamente trouxa

Eternamente trouxa

Trouxa eu sempre fui e não me emendo. Aprendi a ser enganado desde novinho. A primeira vez que sucedeu eu contava míseros três ou quatro anos. Era do tamanho do cachorro lá de casa, só que menos esperto. Fora levado pelos meus pais ao aniversário de outra criança. A dona da casa, uma mulher enorme com saia plissada, bochechas rosadas e cheiro de bolo formigueiro, distribuiu para a criançada um kit com guloseimas, uma bexiga, uma língua-de-sogra e um apito. O pequeno tesouro, democraticamente dividido, foi comemorado com gritaria e com alvoroço pela pirralhada.

O cavalo subiu no telhado, mas não enxergou um mundo melhor

O cavalo subiu no telhado, mas não enxergou um mundo melhor

Inundado por pensamentos capciosos, aguardo o resgate dos helicópteros do sono. Eu sou aquele cavalo caramelo sobre o telhado de uma casa inundada, de olhar taciturno, à espera de um caminho seco e seguro onde trotar. O pampa virou mar — penso, macambúzio, com ares de sertão só que não. Quando estiar, quando a água das chuvas finalmente escoar de dentro de mim pelos canos da história, o coração vai galopar diferente. A lama será apenas outra tétrica pegada no corolário das incongruências humanas.