Vencedor no Festival de Berlim, um dos melhores filmes mexicanos do século virou clássico cult e está na Mubi Divulgação / Postal Producciones

Vencedor no Festival de Berlim, um dos melhores filmes mexicanos do século virou clássico cult e está na Mubi

Dirigido por Alonso Ruizpalacios, que coescreveu o roteiro com Gibrán Portela, “Güeros“ é um longa-metragem mexicano lançado em 2014, ambientado na Cidade do México em 1999. O enredo acompanha Tomás (Sebastián Aguirre), um adolescente de 14 anos enviado por sua mãe de Veracruz para viver com o irmão Sombra (Tenoch Huerta) na capital federal. Sombra é um universitário que vive com o colega Santos (Leonardo Ortizgris) em um apartamento precário, com a energia cortada e roubada dos vizinhos, e sem muito dinheiro para se virar.

Em um contexto de greve universitária, Sombra e Santos decidem furar a paralisação e sair, acompanhados por Tomás, em busca de Epigmenio Cruz, um músico mítico que faz parte da infância dos irmãos, desde que seu pai era fascinado por suas canções. Conforme notícias sobre o estado de saúde do famoso saem no jornal, eles tentam seguir seu encalço para realizar o sonho de encontrar o ídolo de infância, que teria “feito Bob Dylan chorar“.

Durante uma passagem pela universidade, eles encontram Ana (Ilse Salas), por quem Sombra é apaixonado. Ela, que é líder estudantil, se junta à jornada, trazendo pitadas de romance e revolução para o trio de garotos. Com elementos de coming-of-age e road-movie, o grupo, no entanto, jamais deixa a cidade. Apenas se aventura por avenidas e ruas de bairros perigosos, pela Cidade Universitária e pelas estradas periféricas que podem ou não dar de encontro com Epigmenio.

Sombra sofre de ataques de pânico, que nomeia de Tigre. Ele descreve a sensação como se um tigre estivesse prestes a devorar seu rosto, mas que não existe. A vulnerabilidade do personagem é um dos charmes do filme, já que o herói não passa de um jovem com crises existenciais, não muito comprometido com as próprias ideologias, a quem é demandada a responsabilidade de servir de modelo para o irmão mais novo, mas que só quer viver uma simples história de amor e encontrar o ícone de seu pai.

O longa gira em torno de microepisódios urbanos. Não é uma história que evolui até um clímax no formato tradicional do cinema hollywoodiano. Ganhou o prêmio de Melhor Primeiro Filme no Festival de Berlim, já que foi a estreia de Ruizpalacios em um longa-metragem. Filmado em 4:3, em preto e branco, o longa transforma cada cena em um retrato, em uma fotografia de poesia urbana de levar lágrimas aos olhos. Closes no rosto dos personagens capturam microexpressões, traduzindo mais sentimentos do que palavras fariam.

Inspirado pela Nouvelle Vague francesa e também por road-movies de Jim Jarmusch e Wim Wenders, Ruizpalacios não quer que seus personagens sejam intelectuais, apesar do pano de fundo da greve, nem que tenham motivações políticas. O que os move são sentimentos ligados à memória e ao amadurecimento. São emoções subjetivas e não representam a geração daquela época especificamente, mas transcende o tempo. Uma das influências estéticas do filme é também o próprio rock nacional, que sublinha a nostalgia, a ironia e a rebeldia da juventude. Se por um lado há muitas cenas estáticas que facilmente se transformam em retratos da estagnação e da dúvida, há também as cenas externas em que a câmera se movimenta muito, mostrando que tudo pode acontecer a qualquer momento. Ela corre com os personagens, sacudindo desengonçadamente e nos raptando de nossos sofás, colocando-nos ali, junto deles, nas ruas da Cidade do México.

Há ainda pequenas brincadeiras metalinguísticas, em que os personagens falam sobre o filme que está sendo gravado ou comentam, com sarcasmo, o cinema cult mexicano que pretende desestereotipar os latinos, mas acaba apresentando personagens sempre degradados, precarizados e corrompidos. Há um humor sutil e inteligente que ri de si mesmo sem forçar ninguém a rir junto, e isso é um dos pontos fortes do filme. “Güeros“ é uma relíquia do cinema latino-americano que deveria ter mais destaque do que já tem. É uma verdadeira joia artística, simultaneamente despretensiosa.

Filme: Gueros
Diretor: Alonso Ruizpalacios
Ano: 2014
Gênero: Aventura/Comédia/Coming-of-age/Drama/Road movie
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.