Autor: Flávio Paranhos

A última torrada não quebrou

A última torrada não quebrou

O suicida estava sentado em frente à televisão. Era domingo e ele não tinha TV a cabo, o que o deixava deprimido. Ainda assim, não desligava o aparelho. Também não abaixava o volume. Sentia uma estranha atração por aquele sofrimento e autopiedade, o que aumentava sua melancolia. Talvez por isso mesmo fosse um suicida. Na mesinha à sua frente, uma xícara de café com leite em pó desnatado e um pacote de torradas de pão integral — precisava cuidar de seu colesterol.

Medíocres: há exemplos de sobra também aqui mesmo e agora Romannerud / Dreamstime

Medíocres: há exemplos de sobra também aqui mesmo e agora

O medíocre-cordeirinho, ao contrário do que o nome sugere, é extremamente perigoso. Sua existência inautêntica (está dissolvido no impessoal, diria Heidegger) é moldável ao sabor dos ventos da maioria que, como já nos mostraram os sábios Nelson Rodrigues e Henrik Ibsen, é estúpida. Inércia é a palavra-chave. O medíocre-cordeirinho senta-se todo dia em frente à TV e se deixa contaminar por toda a sorte de lixo.

Os 11 mandamentos de Henry Miller

No início dos anos 1930, quando ele escreveu o que se tornaria seu primeiro romance, o superinfluente “Tropico de Câncer”, Henry Miller escreveu uma lista de 11 mandamentos, a serem seguidos por ele mesmo. “Miller é um escritor muito original: a sequência dos seus livros constitui uma grande autobiografia assim franca como ninguém jamais escreveu; na sua adoração profundamente romântica do sexo sempre há nuanças de um humorismo picaresco e pitoresco”, escreveu o crítico Otto Maria Carpeaux.

Quem tem medo de Simone de Beauvoir?

Se todos somos iguais por natureza (Hobbes), o que nos diferencia é a forma que tomamos no seio da sociedade (Beauvoir). Não há justificativa para, nessa diferenciação, haver privilégios para uns e preconceitos para outros (sim, é claro que isso vale para outras coisas, como cor de pele, por exemplo). “Ser mulher” hoje, ainda significa, a despeito do movimento feminista datar do século passado, “valer menos”. Cujas consequências são receber menor remuneração executando o mesmo trabalho, ser vista como objeto de uso livre, incluindo aí uso de violência no caso do “objeto” se rebelar, ser preterida em promoções e cargos de chefia.

É ética sim!

É ética sim!

Há aproximadamente dois anos participei como ouvinte de uma audiência pública no senado promovida pela senadora Ana Amélia, que tinha como objetivo ouvir as partes envolvidas na regulação ética da pesquisa clínica no Brasil. Tratava-se de resposta a uma demanda da indústria farmacêutica, ali representada, entre outros, pelo presidente da Interfarma, Antônio Brito. Ele abriu sua participação com a afirmação que viria a se tornar seu mantra: “Não se trata de ética.” Toda vez que ele se manifesta publicamente sobre o assunto, faz questão de frisar isso.