Quando eu crescer quero ser concurseiro

Quando eu crescer quero ser concurseiro

Nem médico, nem bombeiro, nem jogador de futebol, nem líder de banda de rock. Quando eu crescer quero ser concurseiro. Um dia, eu quis ser o Elvis. Hoje não. Hoje eu quero ser concurseiro.

Eu devo estar ficando muito chato, louco, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Se não, há qualquer coisa de muito errado, um equívoco sub-reptício acontecendo na história recente do Brasil. O país está crescendo ou é só a máquina estatal inchando?

Quando eu era criança, meti na cachola que me tornaria um médico. Bem, podia ter sido pior, quem sabe: padre, policial, garoto de programa, sei lá. A decisão precoce e romântica deu-se por pura influência de um parente que eu amava à beça, um tio-padrinho, sujeito velho, médico parteiro das antigas, um drenador de apostemas infectados, exímio tirador de balas de revólver nas violentas cidadezinhas do interior do Estado. Enfim, meu parente era um legítimo doutor faz-de-tudo, daqueles que não vemos mais hoje em dia, senão em áreas de exceção e guerra. Se existe um Céu, este tipo de gente está lá dentro, sentado ao lado de Jesus e do próprio Elvis.

Teimei na fantasia pueril, viajei na maionese, fiz-me doutor e posso lhes assegurar que, lamentavelmente, não guardo hoje aquele mesmo élan de sonhador das priscas eras. Eu devia mesmo é ter sido concurseiro, se houvesse esta profissão à época. Na pior das hipóteses, quem sabe, sei lá, um padre, um policial ou um michê.

Peço paciência e compreensão a todos os concurseiros que leem este texto (por que não estão a estudar neste momento, seus vacilões?!), criaturas que emprestam os seus sonhos de consumo à leitura massiva diuturna de tratados e apostilas, ao decoreba musicalizado de fórmulas e macetes, geralmente movidos a pílulas estimulantes, guaraná em pó e muita determinação na caça por uma vaguinha estatal bem remunerada, daquelas que só a morte separa, já que a tal “garantia de estabilidade no emprego” jamais o fará. Que engraçado: também gostaria que o governo garantisse aos empresários que suas empresas jamais falissem. Não me atirem aos leões: não sou um linguarudo adepto às generalizações.

Conheço um sujeito torto que se formou em Direito por uma faculdade vagabunda, uma daquelas instituições de ensino que a gente simplesmente não compreende como é que o Ministério da Educação permite que mantenha as porteiras abertas. O camarada quer porque quer passar num concurso público, não importando em qual área do conhecimento, em que reduto do território nacional, desde que os salários sejam robustos e a carga horária suave.

Qualquer aluno mediano do Ensino Médio escreveria uma redação melhor do que aquele energúmeno, se por ventura ele fosse aprovado nas provas da OAB e redigisse uma tese de defesa advocatícia. O cara é uma anta. O pior de tudo é que inúmeras antas são adestradas o suficiente e acabam ingressando no serviço público, para a miséria do cidadão comum, o assalariado da vida real.

Particularmente, as tetas do Governo Federal parecem as mais tentadoras, ao ponto de milhares de concurseiros, sejam eles mancebos ou veteranos — inclusive médicos, bombeiros, jogadores de futebol e vocalistas de bandas roqueiras — se engalfinharem na corrida tresloucada por um lugarzinho ao sol, ou melhor, no colinho da pátria mãezona.

Cresce a cada dia o contingente de candidatos aos super-empregos públicos com salários muito acima dos praticados pela iniciativa privada. Não lhes parece atraente? Porém, mais do que colocar o burro na sombra, é preciso colocar ordem nas coisas.

Frente a uma carga tributária indecente e um Estado com várias atitudes administrativas nada decentes que tanto interferem na sobrevida das empresas, que jovem trouxa sonharia em se tornar um empresário bem sucedido no Brasil? Com tantos riscos de mercado (até aqui tudo normal…), entraves legais, impostos impostores e burocracia governamental arraigada, quem ousaria tomar o caminho mais espinhoso e empreender? Leitores, ser empresário no Brasil é uma insanidade.

Além dos governos federal, estadual e municipal atrapalharem sobremaneira a livre iniciativa, depara-se com uma justiça trabalhista ultra-paternalista sempre disposta a afagar empregados malandros viciados em Seguro Desemprego. E mais: quer desafio maior que transformar mão-de-obra despreparada em qualificada, para mais tarde assisti-la migrando para a concorrência ou, pior ainda, ser hostilizado por meio de ações trabalhistas viajandonas, escusas e mentirosas?

Acreditem: em termos das relações de trabalho, tem poucas coisas mais deploráveis do que um funcionário ameaçando o patrão caso este não o coloque no olho da rua. Dá pra acreditar numa coisa desta? Em várias nuanças, o ser humano já me dava nojo. Neste quesito, em especial, além do indisfarçável asco, despertam em mim os sentimentos mais primitivos (eu amo esta frase).

Penso que a coisa toda faça parte de um contexto social e político no qual a boçalidade, o imediatismo, o desprezo pela cultura, o comodismo, o egocentrismo e a certeza da blindagem espúria de um sistema público ineficiente (que raramente demite um funcionário inepto) ditam as regras ao seduzirem esses moços (e os nem-tão-moços-assim) a buscarem, não uma carreira ou profissão, mas, um baita emprego público em que possam trabalhar (Por que não?! Também sou daqueles que creem que o trabalho enobrece o Homem), hibernar e envelhecer até que chegue a aposentadoria. Tudo sob a doce tutela do erário.

Ora, a culpa (se acaso exista alguma) não é dos concurseiros. Que eles continuem as suas sagas em busca dos empregos governamentais estáveis com salários vitaminados. Se eu fosse um jovem brasileiro em início de carreira, talvez me deixasse seduzir também pelo canto da sereia, para a decepção e tristeza da medicina, da segurança pública, do Vaticano e, por que não dizer, dos prostíbulos e do rock and roll.